Sinopse: Em um desenfreado passeio pelas atrações e maldições de Bariloche, como se desenhado por um guia turístico subversivo, Manque La Banca cria uma coleção heterogênea de narrativas, seduzida pelos movimentos estranhos e pelo encantamento das ficções. Das superfícies mais amenas dos visitantes sorridentes às profundezas misteriosas da região, sem desviar os olhos das violências históricas da Patagônia argentina, seu atrevido retrato deixa como souvenir, no fim da viagem, uma inquietação vibrante: de quem realmente são as montanhas?
Direção: Manque La Banca
Título Original: Esqui (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 14min
País: Argentina | Brasil
Adquira Nosso Pacote
Sempre aplique um olhar crítico por onde você transitar. Um expediente que costuma ser esquecido quando realizamos uma viagem, principalmente vinculada ao lazer e focada na tal da “experiência”, uma desculpa consumista para fazer você gastar ainda mais dinheiro. “Esqui“, dirigida pelo argentino Manque La Banca e exibido na mostra Outros Olhares do 10º Olhar de Cinema, nos apresenta a Patagônia e os centros de diversão na neve de Bariloche pela visão de quem os mantém de pé: a classe trabalhadora, claro.
O caminho percorrido pelo cineasta não é tão simples. Sua provocação inicial é óbvia, nos atraindo para um ambiente o qual vinculamos ao turismo e entretenimento. Antes inóspito, a colonização daquele território começa no final do século XIX. É recente, mas não menos destruidora e genocida do que qualquer outra que envolve o continente americano. Porque aqui há essa agravante: a sua felicidade nas férias é fruto não apenas da exploração de outros, mas da destruição de culturas de mais alguns. Uma ancestralidade presente, porque a oralidade não foi se perdendo pela quantidade pequena de gerações que se sucederam.
A chegada da linguagem audiovisual, a acessibilidade aos meios de produção digital e a ponta final (de distribuição e exibição) garantindo a chegada dessas mensagens, faz de documentários como esse convites à consciência e à interrupção do processo etnocida. Na conversa do diretor com Leonardo Bomfim no canal oficial do festival no YouTube (e que você assiste ao final da crítica), ele fala dessa representatividade do sul argentino. Sempre retratado por realizadores e equipes oriundas de Buenos Aires ou dos centros urbanos, esses espaços são apresentados em uma mistura de inquietude e tragédia, em ficcionalidades que exploram a densa neve e a grande diferença entre as classes sociais.
Veja o Trailer:
Em “Esqui“, Manque usará parte dessas premissas, como se cooptasse para propor alternativas de destruí-la. Faz a mesma coisa com a linguagem de filmes esportivos, que realçam o movimento dos atletas e o bonito cenário. Tanto o prólogo quanto o epílogo usam esse exercício de captação para nos fazer mergulhar de maneira mais confortável naquele ambiente. Ainda é capaz de agradar, na estética, aqueles que insistem em não ir além do que lhe afeta. Quem compra o seu pacote de viagens para “ver a neve”, sente-se realizado no processo de comprar ou alugar roupas específicas para baixas temperaturas e acha engraçado escorregar ao tentar esquiar.
Na primeira parte da obra esse potencial turístico faz com que a sessão dialogue com um vídeo institucional, garantindo um gostoso estranhamento de quem corre a maratona do Olhar de Cinema. Porém, a narrativa vai se adensando, cria paralelos de identificação cultural consolidada das capitais com o desconhecimento e a busca na Patagônia do povo Mapuche. La Banca monta com a propriedade de quem nasceu e viveu naquele território e vai aplicando camadas sonoras que dão a sensação de que um thriller sufocante nos levará a qualquer momento.
Por sinal, o trecho final da conversa mencionada tem uma longa e interessante fala do realizador sobre o desenho sonoro de “Esqui“. Com um ritmo mais familiar para os acostumados com o audiovisual tradicional, o filme vai trazendo testemunhos de lendas e rituais da região, sem ser performático ou ritualístico – e também sem pecar pelo excesso de verbalização. Equilibra as imagens, encontra espaço para o lúdico e também para o drama em um memorial de mortos. Registra os povos originários, sempre massacrados para que uma nova sociedade – construída sob total controle imperialista – possa nascer.
Para que outra seja jogada à morte. As dinâmicas comunitárias podem dar a impressão de que o povo trabalhador da Patagônia legitime as profundas mudanças estruturais daquele território. É mentira. Eles são os novos oprimidos, que já chegaram à vida com um instinto de sobrevivência provocado pelo opressor. Tudo para que você possa ver a neve, até que a sanha capitalista destrua isso também.
Assista à conversa entre Leonardo Bomfim e Manque La Banca sobre “Esqui”: