Estilhaços

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10º Olhar de Cinema | Banner

Sinopse: Eram os anos 1990 em Río Tercero, pequena cidade localizada na província argentina de Córdoba. Na casa da família Garayalde, a 900 metros do rio e a 300 de uma fábrica militar, as crianças se divertem com um brinquedo novo: uma câmera de vídeo comprada para guardar los recuerdos. O que não se pode saber, ainda, é que essas memórias familiares acabarão entrelaçadas a um dos episódios mais escabrosos da história recente do país e serão o coração de “Estilhaços”, um filme realizado com a delicada consciência de que as imagens sobrevivem aos corpos.
Direção: Natalia Garayalde
Título Original: Esquirlas (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 10min
País: Argentina

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Juntado os Cacos

Dentro da mostra competitiva do 10º Olhar de Cinema, “Estilhaços” nos leva a um dos mais assustadores tragédias da história recente da Argentina. Pelas imagens de arquivo da cineasta Natalia Garayalde, a explosão em Rio Tercero que vitimou, oficialmente, sete pessoas, é apresentada pelo olhar de uma adolescente em suas descobertas com uma câmera caseira comprada por sua família.

De mãe professora de História e pai médico, os primeiros minutos das escolhas da realizadora, na montagem de Julieta Seco e Martín Sappia, mostra uma família de classe média de Córdoba, província na região central do país. O espectador se envolve nas primeiras formulações de uma jovem que começa a operar aquele aparelho. Dificuldade de foco e pouca segurança nas mãos, rapidamente se transformam em pequenos exercícios de narrativas com seu irmão. Um dinâmica que atrai a zona de conforto e tem como auge dessa fase da vida de Natalia o Réveillon de 1995. Ao final daquele ano, no dia 3 de novembro, a primeira explosão aconteceria (uma segunda ocorreria vinte e um dias depois).

Na entrevista para o canal oficial do festival no YouTube – que você assiste ao final da crítica – as escolhas e a busca pela unidade estética foram os grandes temas das falas de Garayalde e da editora Julieta Seco. Um projeto que tinha uma configuração bem diferente, pensado para ser lançado como um documentário mais tradicional e no ano de 2015. Colhendo depoimentos de um dos trabalhadores locais, o objeto principal seria o legado de impunidade.

Veja o Trailer:

Com o passar do tempo, o projeto de “Estilhaços” ganhou outra configuração. Uma obra de investigação do passado, mais alinhada com as premissas do audiovisual contemporâneo e com uma dose extra de sensibilidade pelo olhar pessoal adensado. A unidade é provocada a partir das narrações da diretora, algo que também foi se transformando ao longo do desenvolvimento da produção. Por mais que o longa-metragem seja (também) denuncista e flagrantemente político, ao se aproximar do núcleo familiar da realizadora, o público projeta uma dose ainda maior de identificação.

Aspecto esse que se une à impunidade já mencionada. Nos meandros daquele fatídico dia, há uma união entre poder e criminalidade que torna os núcleos opressores da sociedade latino-americana bem nebulosos, para não dizer convergentes. O Presidente da Argentina na época, Carlos Menem, aparece como chefe de Estado em um cenário criado para omitir o que acontecia em Rio Tercero. É interessante como o documentário tira somente as formulações didáticas, deixando todos os pontos em relação às eventuais consequências da explosão esclarecidos – à luz do que se tem conhecimento até então.

Enquanto análise de representações, é uma constante na observação cronológica o desenvolvimento de um olhar cada vez mais intuitivo da cineasta. Sua seleção de imagens, aliada à montagem, encontra as viradas de chave dramáticas que a equipe tanto perseguiu. O resultado é uma união de experiências pessoais e comunitárias sem apelo para o sensacionalismo de nenhuma forma. Para além disso, convoca o espectador a refletir sobre as memórias de eventos graves que perpassam nossa infância e adolescência, algo que a mistura de inocência e proteção dos nossos familiares, muitas vezes, não nos permite compreender até que certos passos sejam refeitos.

Alguns anos talvez não tenham sido o suficiente para que Natalia Garayalde conclua com firmeza o que aconteceu em Rio Tercero. Parte do que comove em “Estilhaços” são os resgates das imagens da irmã e do pai, esse em uma sequência com captação profissional mais recente perto do final da obra. Como ela mesmo disse: as pessoas se vão e a imagem fica. A vida, pelo visto, demanda uma constante investigação. É inquérito que só se finaliza com a nossa morte. As lembranças, de fato, são espelhos estilhaçados – e cada vez mais prejudicados pela fluidez e celeridade como nossas vidas se desdobram e se quebrantam.

Assista à conversa de Leonardo Bomfim com Natalia Garayalde e Julieta Seco sobre “Estilhaços”:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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