Festival de Gramado | Curtas Gaúchos | Programa 2

Festival de Gramado | Curtas Gaúchos | Programa 2

O Programa 2 da mostra de curtas gaúchos do Festival de Gramado 2020 nos confronta com protagonistas em busca de experiências, de sensações – e, principalmente, de pertencimento. Em várias fases da vida, nas mais diversas classes, pelos mais variados motivos e independente dos territórios. Todos eles encerram sua trajetória na tela nos dizendo muito, apesar do pouco tempo em que nos acompanha. Vamos às breves críticas das cinco obras que compões a sessão.

Índice de Filmes
(na ordem de apresentação da sessão, clique em seus nomes e seja direcionado à parte do texto correspondente)

Teste de Elenco
Letícia Monte Bonito 04
Construção
Ver a vista
Deserto Estrangeiro

Ficha Técnica da Sessão Programa 2 dos Curtas Gaúchos


Teste de Elenco

Teste de Elenco Gramado Programa 2

Em “Teste de Elenco“, que abre o Programa 2, um professor inicia sua fala contextualizando o Método de Stanislavski e a origem das máscaras no teatro grego. A etimologia de personalidade e personagem, tal qual um manual. Depois, o curta-metragem de Marcos Kligman e Mariany Espindola, como que inspirado em todas as referências clássicas, pratica o total desapego das visualidades e promove o teste que dá nome à obra sem qualquer cenário.

Textos tradicionais, como trechos de “Hamlet” de William Shakespeare e “E Agora José?” de Carlos Drummond de Andrade, são utilizados. O filme é gestado para deixar o público confortável com as representações. Aspirantes a atores e atrizes transitam, alguns sem decorar o texto, outros parecendo ignorar toda a aula que o professor tinha dado minutos antes. Porém, aos poucos vemos que aquele que tanto se esforçou para o Método ser absorvido, na verdade quer contar a própria história através dos outros.

Essa é uma das grandes belezas das manifestações artísticas. Cria em um rompante uma profunda troca, onde parecia que lidaríamos com pequenos exercícios de construção de imagens. Adiciona uma profundidade inesperada, mas tão linda e que torna a abertura da sessão Panorama 2 muito emocionante. “Teste de Elenco” ainda se despede com um apagar de luzes do teatro, um dos nossos templos que tanta falta sentimos nos últimos meses. Esperamos poder fazer toda essa troca proposta por Kligman e Espondola em sua obra presencialmente de novo.

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Letícia Monte Bonito 04

Curta Letícia Monte Bonito 04

A repetição de músicas do trio gaúcho Musa Híbrida, ao longo do curta-metragem “Letícia Monte Bonito 04” me fez lembrar alguns dos artistas que ouvimos em looping em nossa adolescência. Servindo como conselheiros, companheiros de fossa, agitadores do sábado à noite, eles têm o poder de transformar nossos humores. A experiência vivida pela protagonista Laís – que encontra na sua casa sem mais explicações Letícia – é daquelas formadora de caráter.

A cineasta Julia Regis traz um bonito conto sobre algumas das formas de chegada da maturidade. Do desapego pela forma de vida que temos que deixar para traz se quisermos mergulhar a fundo em nossas própria vivências. Sem amarras de tempo, sem regras rígidas de alimentação. Parece uma tarde, mas ela voltará na mente de Laís por muitos anos.

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Construção

Curta Construção Gramado Programa 2

Em “Construção“, o cineasta Leonardo da Rosa traz a história de Andreia. Moradora da comunidade de Getúlio Vargas, ela é despejada com seus filhos pequenos. A cena inicial mostra um deles recolhendo seus brinquedos. Com viés observatório, o diretor propõe que testemunhemos a construção de uma nova moradia e, ao mesmo tempo, a reconstrução da própria vida da protagonista.

Um processo que parece ser interminável. Sem dúvida, uma obra que encontrará reverberação por muito tempo, já que – de forma sensível – toca em uma dos problemas mais urgentes da sociedade brasileira: o da habitação, que já pudemos tratar em muitos textos aqui na Apostila de Cinema, nas coberturas de festivais específicos sobre assunto (como a Mostra Lona). Mas o debate sempre retorna em outras mostras mais populares que se propõe a abordar questões sociais e até mesmo sem esse objetivo específico. Em Gramado não foi diferente. E em 2021, é provável que vejamos Leonardo da Rosa subir em muitos palcos para apresentar este seu bonito trabalho.

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Ver a Vista

Ver a Vista Curta Gramado

Ver a Vista“, de Daniel de Bem, dialoga muito com “O Luto Impossível”, apresentado no Programa 1. Novamente as imagens de arquivos familiares se valem para lembrar do pai que já se foi. Desta vez, há vinte anos. A diferença na experiência – muito relevante, por sinal – é que aqui há uma reflexão sobre a maneira como projetamos as memórias, após um certo tempo. Ainda mais se elas estão localizadas em uma fase inicial de nossas vidas.

Sempre que voltamos a algumas situações tentamos resgatar em palavras ou rememorações de gestos, novos sentidos para fatos pretéritos. Intenções que deixamos passar, desejos que não foram conosco partilhados – e por qual motivo isso aconteceu. Visualmente, nos deparamos com imagens que não podem ser refeitas, porque aqueles lugares não existem ou foram reconfigurados. Mais do que a mudança de nós mesmos, nada à nossa volta permanece igual.

Por isso é tão difícil o exercício de rever vídeos como os apresentados no curta-metragem. Mais do que a saudade, há um sentimento de impotência pela impossibilidade do retorno e de frustração porque sempre andamos para frente – por mais que o mundo ande para trás.

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Deserto Estrangeiro

Deserto Estrangeiro Curta Programa 2 Gramado

Encerramos o Programa 2 com “Deserto Estrangeiro“, onde um brasileiro é contratado para cuidar de uma linda e densa floresta na Alemanha. Lá ele encontra uma angolana que lhe abre a mente na discussão sobre a busca da ancestralidade. Todos os caminhos da nossa existência acabam convergindo para a Europa e Davi Pretto curiosamente parte desta ambientação territorial para expurgar de vez o olhar eurocêntrico sobre o mundo.

Várias obras do audiovisual nacional se valem dessa premissa de reconstrução de passos e encontro com as origens dos personagens. Porém, dificilmente partem de um espaço como este. A personagem lembra do genocídio na Namíbia, uma ex-colônia alemã na África. Com as possibilidades que a fluência no mesmo idioma que Portugal nos impôs, Brasil e Angola estão ali trocando experiências sobre outros povos que também sofreram com a sanha imperialista europeia.

Com uma fotografia espetacular usando o anoitecer e uso de som que une o constante barulho das águas calmas com uma trilha que não nos faz esquecer que a ancestralidade é o foco, Pretto quer nos falar de reparação histórica. Desenvolve na nossa mente a possibilidade da volta de vítimas de séculos passados para que busquem por elas mesmas a justiça. Mas ali, no meio daquele brasileiro e daquela angolana, é inquestionável que nem sempre precisamos das almas do passado para conseguir promover essa reparação. Podemos (e devemos) buscá-la o quanto antes

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Ficha Técnica da Sessão Programa 2 dos Curtas Gaúchos

Teste de Elenco (Porto Alegre), de Marcos Kligman e Mariany Espindola / 20′
Sinopse: Estudantes de atuação foram convocados para um teste de elenco. O que eles não sabiam é que o teste já era o filme. Teste de elenco se propõe a testar o “Método” de Stanislavski e debater sobre a verdade x realidade nas atuações.
Letícia Monte Bonito 04 (Pelotas), de Julia Regis / 20′
Sinopse: No interior do Rio Grande do Sul, Laís conhece a intensa Letícia, com quem passa uma tarde letárgica de verão.
Construção (Pelotas), de Leonardo da Rosa / 16′
Sinopse: Após ser despejada de sua casa Andréia volta anos depois para a comunidade da Getúlio Vargas com seus filhos Augusto, Gustavo e Bruno. Com a ajuda deles ela inicia a construção de sua casa própria.
Ver a vista (Sapucaia do Sul), de Daniel de Bem / 3′
Sinopse: Durante áudio para minha mãe percebo um ciclo onírico entre memórias que alimentam sonhos a partir de reencontros com imagens que evocam a consciência e a performance da passagem do tempo. Revivo e transformo um momento com meu pai, morto há quase 20 anos.
Deserto Estrangeiro (Porto Alegre), de Davi Pretto / 23′
Sinopse: Um jovem brasileiro, que recém começou a trabalhar em uma imensa floresta em Berlim, é arrastado para um pesadelo envolvendo o passado colonial alemão quando tenta encontrar uma garota perdida na mata.

Clique aqui e acompanhe nossa cobertura completa do Festival de Gramado 2020.

Clique aqui e visite a página oficial do evento.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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