Leia a crítica de “Fire Island: Orgulho & Sedução”, novidade do Star+.
Sinopse: A história gira em torno de dois melhores amigos que partem para viver uma aventura épica de verão repleta de vinho rosé barato e amizades ecléticas.
Direção: Andrew Ahn
Título Original: Fire Island (2022)
Gênero: Comédia Romântica
Duração: 1h 45min
País: EUA
Amor ao Extremo
Distribuído nos EUA pela Hulu, a comédia romântica da Searchlight Pictures “Fire Island: Orgulho & Sedução” chega internacionalmente pelo braço da Disney na plataforma de streaming Star+. A produção de temática LGBTQIA+ revisita a clássica história de “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen, transforma Meryton, nos arredores de Londres, em uma ilha, nos arredores de Nova Iorque, voltada para o turismo de festas e diversão pautado, sobretudo, no amor livre.
Assim, Noah (Joel Kim Booster) tem a tradição anual de viajar para curtir uma semana e se reconectar com seus amigos longe da rotina estressante de uma metrópole. Alguns, como é o caso de Howie (Bowen Yang), sentem falta de laços mais fortes em um relacionamento monogâmico pensado (nas palavras do protagonista) enquanto estrutura heteronormativa limitante e preconceituosa. Ocorre que há demanda por um tipo de afeto, comum às relações mais duradoras, que começa a pesar com o fim da juventude do amigo.
Além da representatividade latente de “Fire Island“, o roteiro – escrito pelo próprio Booster – quer dar conta das implicações bem mais complexas do que designação, orientação sexual ou identidade de gênero. No prólogo, em que apresenta seu personagem, a interracialidade é um tema colocado na mesa. Mais a frente os diversos estratos sociais faz com que a ilha tenha suas associações e microcosmos dentro de uma leitura maior. É justamente a partir dela que o grupo de amigos, que não são ricos o suficiente para se tornarem assíduos frequentadores do local, começa a vivenciar aquela experiência como se fosse a última. Afinal, a pousada chefiada por Erin (Margaret Cho) pode falir antes da próxima viagem.
Esse atravessamento pela ótica econômica coloca outros agentes em cena. No ranço que vira paixão de Noah por Will (Conrad Ricamora), há a principal ligação com a obra de Austen. Tal qual Mr. Darcy, ele é socialmente reservado, parece bem próximo da misantropia. Advogado, careta e elitista, lê as codificações com um olhar bem próximos das estereotipificações e preconceitos voltados à sua própria comunidade. O diretor Andrew Ahn é bem assertivo nesse sentido, propondo tintas exageradas nas apresentações de quase todos os personagens para que eles naturalmente alcancem um equilíbrio quando suas vidas se cruzam (algo que torna até certos alívios cômicos quase como “barrigas” narrativas). O único que segue impassível no meio de tudo isso é Will.
Enquanto linguagem, “Fire Island” assume tal qual receita de bolo a comédia e o romance do gênero no qual se insere. Baseia-se em desencontros e mal entendidos, como o Cinema norte-americano e inglês sempre gostou de fazer. Uma ficcionalidade que remete à própria escritora do século XVIII e que ganhou popularidade na Era Vitoriana (homenageado na trilha sonora incidental constante, que nos faz sentir em uma Corte), pautando uma vertente artística que se reflete no audiovisual. A representatividade não segue acompanhada de subversão, há uma cooptação e reprodução dos velhos dilemas pelos quais o público se acostumou.
Talvez por isso sua chegada ao Star+, com uma inclusão massiva no menu inicial e redes sociais da empresa do grupo Disney, se reflita em uma grande adesão de plateia. Falar sobre lançamentos diretos para streaming é bem mais difícil e nebuloso do que as formas antigas de distribuição, como sala de cinema e TV. Afinal, não teremos estatísticas confiáveis sobre o poder de alcance e o impacto dessas obras. Porém, parece que o trabalho de Ahn, Booster e toda equipe será recompensado com boa aceitação. Escolhas visuais se colocam no sentido de valorizar a corporalidade, mostrando que é possível quebrar a heteronormatividade até mesmo dentro de outras óticas padronizantes. Por outro lado, essa convocação ao estereótipo e essa objetificação de corpos pode ser algo de crítica por alguns.
Não há na trama tanta força em relação aos desdobramentos que aquele cruzamento de personagens tão distintos terão. Alguns pontos interessantes surgem como um raio, desde a ideia preconceituosa de que Noah está fazendo uma escalada social até a força da virtualização dos relacionamentos, caracterizada pelo uso do Grindr no meio de uma pista de dança que está pegando fogo – além, claro, da ideia de que a busca por certo tradicionalismo no amor ou no sexo não é algo a ser sumariamente desautorizado.
Enquanto proposta de comédia romântica que revive Jane Austen, “Fire Island” se permite ser mais divertido – e admiravelmente apimentado em algumas situações – do que edificante. Não precisa ser tudo. Se a ilha é um lugar de entretenimento e reconexão, a sessão do filme no nosso sofá também pode ser (apenas?) isso.
Veja o Trailer: