Sinopse: “Gorbachev.Céu” é um balanço da vida de um homem que mudou o mundo no século 20. Gorbachev foi o arquiteto da Glasnost e da Perestroika – políticas que deram aos soviéticos uma chance de liberdade – e derrubou o Muro de Berlim. Mas sua curta passagem pelo poder foi marcada, também, pelo colapso de seu império: a usina nuclear de Chernobyl explodiu e o acidente foi escamoteado; cidadãos bálticos que exigiam independência e manifestantes de Tbilisi foram mortos. Condenado por seu próprio povo, esse homem velho e solitário passa os dias finais de sua vida em uma casa vazia no subúrbio de Moscou.
Direção: Vitaly Mansky
Título Original: Горбачев.Рай | Gorbachev.Heaven (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 40min
País: Letônia | República Tcheca
Uma Mancha® na História
O selecionado, dentre os competidores a melhor longa-metragem internacional, do primeiro domingo do Festival É Tudo Verdade de 2021 foi “Gorbachev.Céu” uma longa e, aparentemente, franca conversa do cineasta Vitaly Mansky com Mikhail Gorbachev, líder russo alçado de imediato aos livros de História no início da década de 1990, por ter sido apontado como o aparente responsável pela aparente abertura política e econômica da ex-União Soviética.
A repetição é proposital, porque sempre que obras se propõem a revisitar biografados desta importância após uma longa aposentadoria, fica a impressão de estarmos diante de um jogo de aparências. A boa relação entre o cineasta e o protagonista surge em vários momentos, seja no chamamento informal pelo nome ou pela maneira consciente como Gorbachev demonstra que ainda é um bom produto, repetindo que o documentarista está pronto para ganhar dinheiro.
O Capital foi quem mais amou as transformações da sociedade impostas pela glasnot e a perestroika. Por mais que Mansky insista em alguns momentos em questionar se a liberdade democrática – grande objetivo das políticas implementadas – estão presentes no país atualmente, o estrago estava feito. Por sinal, essas levantadas de bola parecem serem providenciais e articuladas com o entrevistado. A Rússia era mais problema do Ocidente, que domou o urso e se permitiu viver em harmonia e estabilidade econômica. Tanto que, nos créditos finais, os mais desavisados são certificados de que o herói, vencedor do prêmio Nobel da Paz em 1990, não é tão bem visto assim por lá.
Para além dessa leitura macro, “Gorbachev.Céu” nos apresenta um senhor que materializa a expressão “os canalhas também envelhecem“. O biografo surge carregado de preconceitos e ignorando o bem-estar dos vizinhos. Mergulha no seu privilégio, na vida mansa que mantém após destruir o único sistema político que ousou não se rastejar pelo capital especulativo. Compara a luta por liberdade liderada por ele mesmo ao onanismo e revela até certo despeito pelo reconhecimento de Boris Yeltsin como única centelha republicana de um país que jamais se reencontrou – e que socialmente é uma incógnita ainda maior hoje do que era antes.
Pelo contrário, Vitaly Mansky é do time que acha que o apocalipse que vivemos hoje seria pior caso a União Soviética ainda existisse. Insiro aqui sua fala, disponível no catálogo oficial do É Tudo Verdade: “levará muitos anos até que se perceba o que Mikhail Gorbachev fez pela história. Monumentos a ele serão erguidos no mundo inteiro. Por trás do frio do bronze ou metal, eu quis tornar visível o homem – um homem que decidiu, sozinho, fazer do mundo um lugar melhor. Foi com essa motivação que nos demos ao trabalho árduo de convencer esse homem de noventa anos, cansado do mundo, de nos deixar entrar em seu mundo de solidão, frustração e liberdade!”. Então tá, né.
Há anos a população da Rússia assiste Vladimir Putin suceder a si mesmo e começam a surgir trabalhos de pesquisa que desmontam a tese de que as mudanças de Gorbachev tinham motivações diferentes das de sempre: agradar a classe empresária. “Cidadão K“, documentário conteudista de Alex Gibney e que circulou por festivais há dois anos, é uma dessas obras – com foco no milionário Mikhail Khodorkovsky. O Gorbachev de quase noventa anos que assistimos aqui está mergulhado em regalias e na auto idolatria. Mansky registra algumas delas, como a imensa fotografia ocupando uma parede inteira na sala de sua casa.
Quando fala do passado e dos líderes que o antecederam, ele parece entender em que caminho “Gorbachev.Céu” acabaria chegando. Filiado ao Partido ainda na época de escola, o prodigioso estudante de Direito parecia fadado a mudar o destino do mundo. De fato, mudou – mas não da maneira como esperavam dele. Sua absorção pelo Capitalismo foi tanta que virou garoto-propaganda de refrigerante nos Estados Unidos e chegou a registrar como marca a sua mancha, evitando que outros obtivessem lucro com ela. Por isso, em nosso título fizemos questão de colocar uma das logos menos socialistas que podem existir.
O terço final de “Gorbachev.Céu” amplia os espaços, sai da entrevista apenas com o cineasta e nos leva a uma conversa com outros jornalistas. Um confronto que parecia ter sido pouco proveitoso, dada a pouca relevância concedida pela montagem. Parecendo não querer demarcar o documentário “apenas” pelas sequências que ocupam quase toda a projeção, Vitaly Mansky ainda nos entrega um exercício de atuação. Começa com a maquiagem do ator para ter a mancha na cabeça, marca registrada do político e nos leva a uma reflexão sobre qual a leitura esse personagem terá na História bem mais adiante. Um debate que o filme parece fugir, posto que se apresenta como uma importante fonte primária de informação.
Veja o Trailer:
Clique aqui e acesse a página oficial do É Tudo Verdade.
Clique aqui e leia nossas críticas sobre filmes do É Tudo Verdade.