Guerra de Algodão

Guerra de Algodão

Sinopse: Em “Guerra de Algodão” a jovem Dora, brasileira que sempre morou na Alemanha, é mandada para mãe para passar um tempo indefinido em Salvador. Ao  se abrir para cidade e para a relação com a avó, Dora descobre várias semelhanças que as unem.
Direção: Cláudio Marques e Marilia Hughes Guerreiro
Título Original: Guerra de Algodão (2018)
Gênero: Drama
Duração: 1h 22min
País: Brasil

Guerra de Algodão Crítica Filmes Brasileiro Imagem

Yemanjá Não Fala Alemão

“Guerra de Algodão”, filme da dupla Cláudio Marques e Marilia Hughes Guerreiro, dos já premiados “Depois da Chuva“(2013) “A Cidade do Futuro” (2018), tem como personagem principal a jovem Dora (Dora Goritzki). A atriz consegue misturar  a doçura e a acidez, que dão a tônica da narrativa em geral.

Muito arredia, a jovem chega a Salvador depois de morar anos na Alemanha. Nunca fui à Alemanha, mas conheço bem Salvador e, se consigo imaginar dois extremos, são esses. Talvez seja ousadia de minha parte, já que desconheço o território alemão, porém a mistura de Salvador, é particularmente única até mesmo em território brasileiro.

Ao mesmo tempo provinciana, machista, elitizada. Ao mesmo tempo libertária, corporal, afrodiaspórica. É esse conflito que Dora vive nos primeiros minutos da trama. Ainda sem saber muito bem como se localizar na cidade, ela usa a música para se aproximar.

E, é com uma daquelas músicas que atravessam gerações. “Mistério do Planeta“, que provavelmente marcou a geração libertária de sua avó na versão original dos Novos Baianos – nada mais livre, como o vento, que a vivência do grupo – e atingiu a geração de sua mãe na versão com Marisa Monte, ganhando na voz de Dora uma roupagem contemporânea e, ao mesmo tempo, nostálgica. “A menina não é gringa, não”, diz uma Tainá que, posteriormente, será a responsável por mostrar a Dora os encantos de Salvador.

O mar aparece sempre como fundo e como personagem, pois não há como pensar Salvador sem o Mar de Yemanjá.

Essas artes e mistérios que continuam a conectar gerações e corpos tão distantes. O filme não congela Maria Gramacho (Thaila Perez), a avó atriz feminista que Dora nunca soube ter tido, no tempo. Ela continua ali. Livre.  Até mesmo o silêncio que ,inicialmente, achamos advir de uma solidão, nos aparece como liberdade.

Maria não é sozinha, ela só escolheu a vida que lhe parecia possível em uma cidade que há 40 anos era ainda mais retrógrada que a que Dora encontra. Em meio a flertes não desejados e aventuras audaciosas, Dora percebe que tem mais em comum com a avó do que pareceria possível em uma leitura inicial.

As duas se encontram no desejo pela liberdade e no amor pelas artes. E um tanto também no cinismo necessário para lidar com os sofrimentos de um mundo que não quer e não entende a liberdade.

Em meio a cabeças de bonecos, fotos, cartas e recortes antigos de jornal a adolescente encontra em sua avó a personagem estimulante que a faz repensar a recusa inicial.  Afinal, “a lei natural dos encontros” só age sob aqueles que deixam seu corpo livre para o afeto.

Com “A Guerra de Algodão”, Marques e Guerreiro, se consolidam no cinema brasileiro como uma das duplas que conseguem transpor a sensação de ser um adolescente em ebulição para as telas sem jogar com narrativas fáceis e com estereótipos. Isso não é pouco.

Veja o trailer:

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

1 Comment

  1. Hj 01/01/22, pelos “mistérios dos encontros”, conheci um dos jovens atores deste excelente filme… Um jovem multi-talentoso. Num encontro entre duas famílias, na barraca de pra Iemanjá/Odoyá, falamos de algumas impressões da vida, seus mistérios, encantos e dúvidas; falamos sobre trabalho e artes, como: fotografia, cinema, mídia digital, literatura, pintura e música… um diálogo com quase 35 anos de diferença. Depois que o ex-jogador de futebol, e hoje empreendedor disse-me já ter participado de dois filmes! ‘Guerra de Algodão’ é um filme feito com muitos jovens, numa trama e dilema “muito antigo”… A liberdade do indivíduo, em especial do feminino (da mulher) como protagonista de uma velha luta e, que se renova e se redobra, na jovem Dora, através da magia das artes, não só dos encontros e desencontros da vida. Para além das meras coincidências e semelhanças… Como uma advertência de praxe ao assistir à um filme!

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