Henrique V

Henrique V Filme 1944 Laurence Olivier Crítica Pôster

Sinopse: Henrique V foi o rei da Inglaterra de 1413 até 1422 e se envolveu em um episódio heroico e patriótico. Ele partiu em uma pequena expedição até a França para reivindicar a coroa daquela nação. Só que quando ele chegou a Azincourt, foi recebido pelo vasto exército francês, não estava nem um pouco disposto a deixá-lo passar.
Direção: Laurence Olivier
Título Original: The Chronicle History of King Henry the Fifth with His Battell Fought at Agincourt in France (1944)
Gênero: Drama | Histórico
Duração: 2h 17min
País: Reino Unido

Henrique V Filme 1944 Laurence Olivier Crítica Imagem

Quatro Séculos de Arte e Política

Chegou esta semana no Petra Belas Artes á La Carte a estreia na direção cinematográfica de Laurence Olivier, um dos mais importantes atores da história do Reino Unido. “Henrique V“, de 1944 e lançado nos EUA a ponto de concorrer ao Oscar de 1947, saiu vencedor de um prêmio honorário da Academia (além de indicações como melhor filme, ator, direção de arte colorida e trilha sonora) e também do júri da crítica do Festival de Veneza. Porém, sua permanência no imaginário da cinefilia acabou um pouco eclipsada quando, em 1948, a segunda incursão do britânico na função tenha conquistado de vez o circuito, desde as premiações até Veneza novamente, em adaptação de “Hamlet“.

Porém, se me pedissem para indicar uma transposição de William Shakespeare para as telas, certamente o melhor caminho é assistir à história do Rei em sua tentativa de conquistar o território francês no início do século XV. Historiadores colocam como data provável de conclusão da dramaturgia o ano de 1599 e Olivier, então, nos coloca em um lindo teatro, o Globe Playhouse, no ano de 1600. Originalmente construído e inaugurado no mesmo 1599 e que teve Shakespeare como um dos sócios. Foi destruído por um incêndio catorze anos depois, reinaugurado e se manteve como centro arqueológico por muito tempo. Ali foram encenados pela primeira vez parte das peças que moldaram nossa visão sobre um território e uma época – agindo, inclusive, retroativamente.

Parecia que esta abordagem que nos aproximaria da experiência da arte clássica seria o tom da obra – vale lembrar a polêmica que existe até hoje na forma como angulamos tais experiências, vide o debate sobre “Hamilton” (2020) ser ou não Cinema. Só que “Henrique V” vai muito além disto. Ele consegue, em suas duas horas e alguns minutos, nos fazer viajar pelas maneiras de representar um dos textos que marcou o período do teatro elisabetano. A cada nova sequência, o diretor reinventa as convenções do próprio filme, nos conduzindo a uma outra leitura.

O longa-metragem inicia com uma convocação para que o espectador faça um exercício de imaginação. É isso que pautará toda a sessão, que tem no início do ato inaugural não apenas a ambientação no teatro e suas marcações, mas a interação de uma plateia composta por figurantes e o olhar observador da câmera sobre a coxia e os bastidores da complexa produção da época. Laurence Olivier parece querer trazer algo um pouco autobiográfico à sua construção. O filho de um pastor da Igreja Anglicana começou a se destacar nos palcos com apenas dez anos de idade, em uma montagem de “Júlio César” ainda durante o período da I Guerra Mundial. Sua contribuição inquestionável à cultura do seu país tinha tal proporção que aos quarenta, no mesmo ano em que iria à Los Angeles receber o Oscar honorário, a Coroa Britânica já lhe concedia o título de Sir. O profissional que “se arrisca” na cadeira de cineasta já o fazia como um dos grandes intérpretes de Shakespeare de todos os tempos.

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Com isso, ele faz de “Henrique V” uma sequência de possíveis leituras, teatralizadas ou cinematográficas. Valoriza, nas primeiras cenas, não apenas o desenvolvimento do binômio comédia-tragédia, em diálogos cômicos que exigem relação direta com o elenco. Ele também fundamenta a trama política, grande motivação de Shakespeare para trazer figuras do passado da Inglaterra para a sua dramaturgia. Ao conduzir o público, deixa registrada como a arte sedimenta certas interpretações sobre a História. Buscar informações sobre o verdadeiro Henrique V, que havia morrido mais de um século antes, é ter a certeza de que algumas características suas seriam forjadas pela maneira como o autor as colocou em sua peça.

Principalmente envolvendo a rebeldia na juventude e a busca pela ocupação territorial da França como fim do ciclo da conhecida Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Houve uma combinação de adaptação com ares de censura, já que Laurence removeu as partes mais críticas da biografia do protagonista. Dizem que a pedido de Winston Churcill, que o sensibilizou à luz do período pela qual a Europa atravessava, em que o nacionalismo e a valorização dos símbolos e personagens dos países eram fundamental para cumprir uma agenda positiva dos governos. Ainda que “sob encomenda”, a obra é um ótimo retrato de algo que parece inescapável ao longo do tempo: a maneira como conseguimos moldar textos clássicos, da Grécia a Shakespeare, conforme o atual momento da sociedade ocidental.

Se ampliarmos esse leque, concluiremos que o próprio lançamento desta adaptação do drama histórico é uma peça de propaganda no front inglês, se alinhando ao que fez Hollywood no mesmo período. Não à toa, foi a produção mais cara do cinema britânico até então, com um orçamento de dois milhões de dólares. Em relação ao que sobrou de discurso, o filme pode encontrar certa reverberação com a contemporaneidade.

Hoje vivemos em um mundo em que este avanço físico sobre outras nações só faz sentido pontualmente, em um imperialismo que se manifesta de outras formas, sobretudo econômica e social. Nossas guerras são outras, mas parte do discurso do Rei segue com grande potencial de reprodução. Na paz, a humildade. Na guerra, a fúria. Este é apenas um dos grandes momentos em que o Olivier, protagonista, mostra a força de seu talento originário. O uso da especulação como arma, como tática, também é um preceito que envelheceu bem nos escritos do autor teatral mais famoso de todos os tempos, mas do que os discursos motivacionais, um expediente que a cinematografia de guerra tornou lugar-comum para o espectador moderno.

Certo fez William Wyler, convidado pelo ator para dirigir a produção. Negou dizendo que Shakespeare era assunto de Laurence. E não estamos aqui diante de uma simples reprodução, adaptação – sequer transposição. O longa-metragem é multilinguagem em uma forma que ganha contornos de aula de Cinema, História da Arte ou o que você conseguir extrair de proveitoso da sessão.

Henrique V” vai, aos poucos, saindo do tablado e ganhando os estúdios. Cenários ao fundo ganham a qualidade técnica da direção de arte que o período das primeiras narrativas do cinema valorizavam. O uso da cor no início da década de 1940, permitia ao público acessar uma reapresentação destes épicos dentro de sets com uma roupagem moderna, diferente dos anos 20 e parte dos 30. Mas, Laurence Olivier não quis parar por aqui. Na Batalha de Azincourt (25 de outubro de 1415, dia de São Crispim), gravada ao longo de seis semanas, ele varia a perspectiva das tropas britânicas e francesas – e faz destas uma mistura de confiança e desprezo por um inimigo em menor número, orientando o elenco para se parecer com as formas de expressão dos líderes nazistas da época.

Faz do filme uma grande produção em cenários naturais – por sinal, com períodos de interrupção das gravações de batalhas por incidentes envolvendo o conflito real, já a Segunda Guerra Mundial. Os figurantes que compunham a cena a título exemplificativo, ganham a dimensão de grandes exércitos, uma massa de cavalaria tal qual o Cinema como encantamento nos provoca(va – se você não se envolve tanto com o CGI e a gameficação destas sequências).

Sabendo o que o público buscará nesses momentos, a montagem vai da grandiosidade dos cenários a closes de um elenco que exerce seu ofício com mais naturalismo. Além disso, traz a quebra da temporalidade e o uso da transição, algo que nos parece simples pela experiência em assistir filmes, mas que soariam incompreensíveis antes deste processo tecnológico evolutivo no mundo das artes. Quem esperava uma obra mergulhada na teatralização se surpreende a cada nova cena. No clímax, o uso de um dolly é a certeza de que o ator entendeu que deveria fazer de seu trabalho um batismo. Se Laurence Olivier surge como um menino reproduzindo William Shakespeare, não faria sentido ele buscar a cartilha do épico cinematográfico como única forma de expressão na estreia como diretor de cinema.

Em “Henrique V” ele consegue refletir a importância do teatro nas bases fundantes da sociedade, na sua carreira e no desenvolvimento do audiovisual. Entrega o show que a plateia busca para, ao final, retomar as origens na conclusão que envolve os diálogos com Catherine, novamente na simplicidade (ao nosso olhar) dos palcos elisabetanos. Para não deixar dúvidas da grandiosidade de seu talento.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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