Influência

Influência Documentário Crítica É Tudo Verdade Pôster

Sinopse: “Influência” é uma análise da expansão recente do universo da desinformação por meio de uma investigação exclusiva sobre a ascensão e queda de uma das maiores empresas de relações-públicas e e-reputação, a multinacional britânica Bell Pottinger.
Direção: Richard Poplak e Diana Neille
Título Original: Influence (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 45min
País: África do Sul | Canadá

Influência Documentário Crítica É Tudo Verdade Imagem

O Que nos Move

Esqueça as abordagens generalistas e com um sensacionalismo tacanho de produções que tentam bagunçar nossa mente com as possibilidades de controle total do Estado – em alinhamento com a burguesia, se valendo dos avanços tecnológicos. A concretude de “Influência” em suas representações e reflexões sobre o problema o tornam, de imediato, um expoente desse subgênero documental que toma conta das plataformas de streaming. Os cineastas Richard Poplak e Diana Neille comandam uma obra que, pelo objeto, dialoga com filmes como “O Dilema das Redes” (2020) e, principalmente, “Privacidade Hackeada” (2019), por trazer o escândalo da Cambridge Analytica como seu ponto nevrálgico.

O que torna este documentário mais eficiente é que sua expansão é mais do que territorial, também é temporal. Aborda a agência de publicidade Bell Potinger a partir da sociedade dos anos 1960, onde o ofício de criar propagandas se transformou e trouxe com ele uma nova forma de linguagem a qual o capitalismo segue aprimorando. Do turbilhão de novas manifestações culturais (na Londres como capital exportadora do rock) até a comunicação estratégica que define quais serão os novos comandantes das nações mais ricas do mundo, há um elo que passa pela empresa criada por Tim Bell.

Por mais que a ficção nos entregue boas obras sobre essa nova forma de venda, principalmente o seriado “Mad Men”, o filme de Poplak e Neille nos traz os agentes reais desse caos corporativo. “Influência” não cria um falso dilema de bilionários do Vale do Silício arrependidos em suas mansões, ele evoca conflitos reais, principalmente envolvendo a África do Sul, em escândalo desbaratado pela Aliança Democrática, da ativista Phumzile van Damme. Uma linha de raciocínio que comprova que a revolução criativa que as novas mídias permitiram foram, como sempre o são, usadas em favor de massa de manobra.

Para chegar ao fato em si, o filme contempla boa parte da história do Reino Unido das últimas décadas. Mostra como os meios de comunicação hegemônicos sempre atuaram em favor da criação de cortinas de fumaça. As linguagens do meio publicitário, com o aditivo dos algoritmos de indução de consumo, consolidaram o processo de transformação da política em um teatro. De Magaret Tatcher a Donald Trump, a midiatização dos agentes públicos foram minando as chances de líderes atuando pelo real interesse da população. Uma esquerda minimamente capaz de ter ganhos nesse jogo precisa se render a essa formatação, como a bem-sucedida incursão do Partido dos Trabalhadores brasileiro, que elegeu Lula com a contribuição do publicitário Duda Mendonça.

Por outro lado, o neoliberalismo precisa dessa desinformação que torna a precarização do serviço público e a perda de direitos um tomada de curso que a população precisa ser convencida de que é natural. A Bell Potinger, então, não participou apenas das guinadas democráticas desse viés ideológico em seu país de origem e parceiros históricos. Ela esteve presente também na ascensão de Augusto Pinochet no Chile em 1973, por exemplo. Não na fase dourada do golpe e sim após a inesperada vitória do Não no plebiscito de 5 de outubro de 1988 (mesma data da promulgação da Constituição Brasileira). O General contava com a renovação de mais nove anos de mandato (ele já governava desta forma desde 1981). Acabou se valendo dos trabalhos da equipe de Tim quando obrigado a convocar eleições para o cargo, colocando como representante do regime seu ex-ministro de finanças, Hermán Büchi, um candidato forjado em uma estética de faroeste latino inspirado nos cowboys sujos vividos por Clint Eastwood.

Voltando ao nosso tempo, alguns anos da identificação desde o crescimento da direita radical se passaram e uma oposição a esta ideologia parece não saber usar as ferramentas disponíveis. Mais do que denunciar, filmes como “Influência” têm a capacidade de mexer com os brios de quem acha que chegamos ao fundo do poço. Não é tão propositivo quanto documentários como “O Mês Mais Quente” (2019), que fala como o desenvolvimento tecnológico pode contribuir para um debate sobre renda mínima, mas é contundente ao provar como o marketing não é mais um bonde que se conserta andando. Precisamos cada vez mais antecipar aos problemas e maneiras como nossos discursos serão recebidos, moldando formas que façam valer uma militância.

Sem apelar para o sensacionalismo, “Influência” é bem mais profundo nas suas conclusões. O termo para o futuro que nos espera já existe: a democracia controlada. Governantes como Trump e Bolsonaro são diretos ao afirmarem que o sistema de governo de participação popular é ruim, por engessar a decisão do líder soberano – na caso, eles mesmos. Tirar o peso dos outros poderes que compõem o sistema de freios e contrapesos é fundamental. Tanto que o Legislativo brasileiro, atualmente, é composto por parentes do Presidente e uma massa de representantes atacados por hashtags a todo o tempo. Essa aplicação de realpolitik chega diretamente no trabalho da Bell Potinger e com ela atravessa o mundo. A montagem pinça exemplos na Venezuela e Zâmbia, para mostrar como países emergentes são ainda mais vulneráveis. Os Estados Unidos não poderiam ficar de fora com seu histórico de crises provocadas no Oriente Médio.

Até que chega ao seu objetivo inicial, mostrando como a tensão racial foi usada para eleger Jacob Zuma como Presidente da África do Sul. Só que, dessa vez, os escândalos de corrupção que afetaram ele e a tradicional família Gupta foram demais para a combalida população do país, que foi às ruas e teve em Phumzile uma representante que manchou de vez a imagem da Bell Pottinger. “Influência” termina com a última grande questão. Se não conseguimos chegar a um consenso sobre a ilegalidades de atos como os agitados por Bell Potinger e similares, talvez o debate deva circular pela moralidade. Porém, com tantas provocações, nos falta espaço para dizer que – seguir por esse caminho – é chegar ainda mais rápido na grande derrota.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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