Leia a crítica de “Interceptor”, novidade da semana na Netflix!
Sinopse: Como última sobrevivente em uma estação de interceptação de mísseis, uma tenente do exército precisa lutar sozinha contra um plano terrorista que ameaça os EUA.
Direção: Matthew Reilly
Título Original: Interceptor (2022)
Gênero: Ação | Aventura
Duração: 1h 39min
País: Austrália | EUA
Farofa da NFlix
A relação do espectador com filmes como “Interceptor“, uma das principais estreias da semana da plataforma de streaming Netflix, parece ser ainda mais dependente e vinculado ao objetivo pelo qual ele escolhe depositar duas horas de sua confiança no Cinema enquanto entretenimento. A estreia no roteiro e na direção do bem-sucedido escritor Matthew Reilly (que teve um de seus best-sellers, “Estação Polar“, lançado no Brasil), é uma verdadeira salada imaginativa. Salada não, uma farofa. Talvez não tão divertida quanto a da GKay, já que todo o amor distribuído pelos convidados é substituído pela ação violenta em uma estação militar dos Estados Unidos.
O longa-metragem mostra a ex-general do Pentágono JJ Collins (Elsa Pataky) em uma situação-limite que habita o imaginário das narrativas do gênero desde a Guerra Fria. A possibilidade de um hecatombe nuclear que precisa que algumas providências sejam tomadas em poucos minutos. Há décadas sabemos que norte-americanos e russos possuem um arsenal para destruir a Terra algumas vezes, bastando apenas apertar alguns botões.
O que “Interceptor” propõe além disso também não é nada novo. Sai a bipolaridade do século XX e entram as complexas relações sociais do XXI. Sendo assim, os mísseis são russos, mas quem possui controle sobre eles são terroristas. Quando os estereótipos xenofóbicos levariam a crer que se trataria de representantes de organizações do Oriente Médio, Reilly nos apresenta como vilão um patriota trumpista, Alexander Kessel (Luke Bracey). Ele quer fazer a América great again, mas há motivações bem mais íntimas.
Antes de chegar no segundo terço da história, na qual o personagem revela uma insatisfação pela qual seu pai administra os interesses do seu país enquanto Embaixador da ONU (e aqui fica óbvio que há algo mais profundo e particular do que isso, enquanto filho), as representações das imagens bagunçam nosso satélite cinéfilo. O ato inaugural do filme é carregado de uma canastrice sem tamanho, como se brincasse com a linguagem na qual se apropria. Parecia que estávamos diante de uma fita de ação consciente de seu alcance enquanto obra e quisesse trocar a aventura mambembe pelo absurdo assumido.
É um pouco a mesma impressão que tivemos de “Moonfall: Ameaça Lunar” (2022), que Roland Emmerich lançou há algumas semanas no Amazon Prime Video. Em nossa crítica falamos de como essa virada de chave para algo mais sério tira parte do brilho que havia na história. Podemos dizer o mesmo aqui, só que há algumas diferenças. Uma delas é a que Matthew Reilly, que já obtém sucesso em seu fazer artístico de origem, nos passa a ideia de que transforma algumas das cenas em um exercício de direção, para além do seu roteiro.
Isso traz uma aura de clínica geral a “Interceptor”. Há sequências que parecem perdidas, como um lutador de kung fu no meio dos terroristas que invadem a base onde está Collins. Ou outra, na qual Alexander faz uma vultuosa chantagem financeira para que ela mude de lado, antes de revelar uma das grandes muletas deste tipo de narrativa, a do vilão infiltrado – que não possui qualquer relevância para o andamento da história. Uma Presidente norte-americana surge em dois ou três lapsos e o clímax é debochadamente absurdo, em uma mistura de Lara Croft e James Bond.
Reilly segue uma fórmula tradicional de tramas sobre os meandros do poder bélico dos EUA, terrorismo e toques de teoria da conspiração. Algo que desde Tom Clancy se estabeleceu com eficiência no mercado editorial, com transposições naturais para o Cinema – pautando até mesmo o início da carreira de Dan Brown. As se propor a ter as rédeas de um roteiro original e a cadeira de direção, parece ter entrado em um parque de diversões. Com o nome de seu compatriota Chris Hemsworth nos créditos de produção – com direito a um cameo divertido (?) – deveria ter apostado mais no absurdo e no que há por trás de um filme de ação.
Porém, chega um momento em que “Interceptor” recalcula a sua rota. Ao destrinchar a origem da protagonista, traz uma segunda chaga da sociedade norte-americana. Para além do nacionalismo tacanho do vilão, uma mocinha prejudicada em sua carreira militar pelo machismo e misoginia. Ao se insurgir contra o assédio sexual de um oficial de patente maior, Collins sofre um linchamento virtual que a coloca naquela situação como uma pária. É um plot interessante, promissor para a narrativa, mas que acaba tornando todas as ações dali em diante bem mais sutis.
Ou seja, do segundo ato em diante o longa-metragem “se leva a sério” (na falta de uma expressão melhor, já que essa está longe da ideal). Isso torna tudo o que há de bagaceiro na introdução apenas mal executado. Enquanto diretor de ação, o mais novo cineasta não deixa a desejar, apesar de criar tantas intervenções na espinha dorsal de sua narrativa, que deixa na boca o gosto de que aqueles elementos pensados como exercícios visuais não tenham funcionado da forma como Reilly colocou no papel.
“Interceptor” foge da lógica como princípio, tenta não descambar para o referencial, mas não enxerga nem o drama possível de uma aciton heroine complexa e nem a possibilidade de transformar todos os exercícios de seu diretor em uma farofada feita sob medida para seu público-alvo. Não foi dessa vez que a Netflix conseguiu fazer os filmes de ação great again.
Veja o Trailer: