Sinopse: “Irmãos à Italiana” se passa em Roma, 1976. Valerio tem 10 anos e uma imaginação fértil. Sua vida de criança vira de cabeça para baixo quando ele testemunha o atentado a seu pai Alfonso, por um comando terrorista. Desde então, o medo e uma sensação de vulnerabilidade marcam dramaticamente os sentimentos de toda a família. Mas é justamente nesses dias difíceis que Valerio conhece Christian, um menino um pouco mais velho que ele, solitário, rebelde e ousado. Esse encontro, em um verão repleto de descobertas, mudará suas vidas para sempre.
Direção: Claudio Noce
Título Original: Padrenostro (2020)
Gênero: Drama
Duração: 2h
País: Itália
Realidades de Vários Dias de Verão
Estreia amanhã em boa parte das capitais brasileiras, com distribuição da Pandora Filmes, “Irmãos à Italiana“, produção baseada na infância do diretor romano Claudio Noce, que pela primeira teve um longa-metragem na lista de postulantes do Leão de Ouro do Festival de Veneza. Com uma áurea de confusão e estranhamento, ele divide com o espectador as percepções sobre um passado que, apesar do amarelado das imagens tal qual uma fotografia guardada em uma caixa de sapatos por algumas décadas, possuem imagens cada vez mais claras, em memórias que se complementam à luz de fatos que escapam do conhecimento de uma criança.
Valerio (Mattia Garaci) é um menino de dez anos abalado pelo ataque a tiros ao seu pai, Alfonso (Pierfrancesco Favino), por terroristas estabelecidos no complexo período conhecido como Anos de Chumbo. Iniciado em meados do anos 1960 e parcialmente encerrado duas décadas depois, a expressão foi imortalizada pelo filme de 1981 da cineasta Margarethe von Trotta (que venceu cinco prêmios também em Veneza, incluindo o Leão de Ouro). Parte de procedência neofascista e parte socialista, as fricções sociais do período contribuíram para uma dificuldade de leitura sobre o que seriam os “extremos” ideológicos.
Noce parece consciente de que “Irmãos à Italiana” não perseguirá explicações sobre uma época que o audiovisual do país vai se acostumando a revisitar e representar em dramas históricos. Sob a perspectiva de uma geração, em parte, alheia a tudo isso, ele nos coloca em uma realidade onde essas tensões tomaram de assalto o núcleo familiar do protagonista. Uma obra de fruição mais difícil para o espectador-médio porque não serão todas as lacunas que serão preenchidas pelo conhecimento posterior ou pela construção do roteiro escrito por ele ao lado de Enrico Audenino.
Há uma narrativa tradicional, mas uma montagem do experiente Giogiò Franchini que tira a obviedade de parte da história, que deveria ser um coming of age de estação, gênero que parece brotar com força aqui na Apostila de Cinema – do poético “Meu Primeiro Verão” (2020) ao clichê “Memórias de Verão” (2021). De quebra, o diretor adiciona elementos que – sob o manto da autobiografia – permite a conexão empática. Uma delas quando ele tem acesso pela primeira vez a uma câmera portátil, uma afetividade valiosa que se manteve enquanto aspecto de um período tão difícil de sua vida.
Explorando em várias sequências as belezas naturais italianas, ampliadas pela direção de fotografia de Michele D’Attanasio, o filme vai se abrindo em pontas, que são impactadas pela linguagem aplicada por Noce. Quando o personagem, já adulto no prólogo contemporâneo, nos leva para a primavera de 1976, as escolhas nos levam a planos zenitais e americanos com movimentos de câmera que exploram a residência da família Le Rose denotando certo distanciamento daquelas lembranças, que parecem ser contadas com hesitação. Tanto que o núcleo familiar domina a primeira meia hora do longa-metragem. Bem depois que o evento traumático ocorre é que o espectador vai com o menino para sua escola e começa a receber outras leituras sobre o pai, incluindo sua condição de herói por agir em nome da Lei.
Trafegando entre realidade e projeção de uma em que parte dos problemas são mitigados, somos apresentados ao jovem Christian (Francesco Gheghi), que desenvolve com Valeria uma amizade. Uma relação que vai além de um alinhamento em um verão complicado para os dois. Temos aqui um protagonista que possui um pai, por força das circunstâncias, um pouco mais ausente do que ele mesmo – e seu amor pelo filho – gostaria. Seu colega, então, ocupa um espaço, até mesmo referencial. A busca de uma solução dentro de si, que começa quando ele precisa entender aquela ausência e ligar pontos em relação ao paradeiro de Alfonso.
A parte final de “Irmãos à Italiana“, após um processo imersivo e divagante de construção de memórias, atinge seu objetivo de emocionar. O faz por um olhar invertido, em que o filho parece mostrar ao pai os limites da compreensão e da aceitação da realidade. No meio daquelas imagens turvas, por vezes impactadas pela luz do sol e em outras porque lhe foram negadas certas explicações, Valerio formulou seus conceitos e encontrou uma forma de expressão. Christian estava ali para testemunhar o que o filme agora tornou uma obra sólida, a partir de lembranças nem um pouco frágeis.
Veja o Trailer: