Sinopse: Em “Jurado Nº 2”, o pai de família Justin Kemp atua como jurado em um julgamento por assassinato de destaque, se vê enfrentando um grave dilema moral podendo influenciar o veredito do júri e talvez condenar — ou libertar — o assassino acusado.
Direção: Clint Eastwood
Título Original: Juror #2
Gênero: Crime | Drama | Mistério | Thriller
Duração: 1h 54min
País: EUA
Uma Cabeça por Uma Sentença
Sempre que lembrarem da temporada de premiações de 2025 será reiniciada a discussão acerca da falta de apoio da Warner a “Jurado Nº 2”, ótimo drama de tribunal dirigido pelo veterano diretor Clint Eastwood. Uma obra que provoca o espectador em uma narrativa carregada de humanidade. Ao longo de quase duas horas, acompanharemos o dilema de Justin Kemp (Nicholas Hoult) quase como cúmplices. Já disponível na Max, a produção foi lançada em circuito muito limitado nos Estados Unidos, após inúmeras críticas por relegar um “novo Eastwood” ao streaming.
Na história, o homem é convocado para se apresentar a uma seleção de jurados no Estado da Geórgia, parte de um cinturão demográfico dos Estados Unidos conservador e com histórico de lutas raciais. Sua esposa, Alison (Zoey Deutch) está em fase avançada de gravidez e pode entrar em trabalho de parto a qualquer momento. Mais adiante saberemos que o casal tenta ter um filho há muito tempo e aquela caminhada é carregada de cargas de ansiedade e medo maiores do que o habitual.
A missão do protagonista de “Jurado Nº 2” é simples: ele precisa não ser selecionado para o júri. Decide pelo caminho da verdade, expondo para a juíza Thelma Hollub (Amy Aquino) sua situação familiar. O excesso de honestidade acaba contando contra Justin, que não apenas é mantido na seleção como se torna um dos representantes da sociedade para analisar a acusação de James Sythe (Gabriel Basso) pelo crime de assassinato da namorada. Ultrapassada essa fase, o objetivo seguinte é fazer com que a deliberação dos jurados e a sentença ocorra o mais rápido possível, permitindo que Justin volte à vida normal.
Todavia, no curso do julgamento de James nasce o dilema na mente de Justin. Ao contrário de todas as evidências e provas contidas nos autos, ele tem certeza que aquele homem não matou a namorada. Isso porque foi o jurado nº 2 quem o fez, atropelando a jovem em uma estrada chuvosa na noite do crime. O que Eastwood faz no longa-metragem é ir além da exposição desse dilema e desenvolver várias engrenagens que torna a busca por justiça algo tão complexo quanto ineficiente.
No leque de personagens marcantes da obra, temos o embate entre a acusadora Faith Killebrew (Toni Collette) e o advogado de defesa Eric Resnick (Chris Messina). Ela está em plena campanha para chefiar o escritório da promotoria. Portanto, um veredito de culpado em um caso de violência doméstica com vítima fatal é importante para suas pretensões. Poderia desenvolver mais sobre a problemática de representantes do Poder Judiciário serem detentores de cargo eletivo nos Estados Unidos, mas não cabe nesse espaço.
Já seu adversário é um defensor público, deslocado para o caso de Sythe. Com muito menos recursos do que a acusação, seu trabalho no julgamento se limita a tentar descredibilizar toda e qualquer testemunha que senta na frente dos jurados e parece entregar mais uma peça do quebra-cabeça do assassinato da jovem. Aqui o roteiro de Jonathan A. Abrams (de poucos trabalhos na carreira) deixa claro que a diferença no poderio econômico entre quem acusa em nome do Estado e quem defende aqueles que não conseguem arcar com os custos de um advogado é fundamental em uma sociedade que se pretende punitivista.
O recorte racial também se junta a esse punitivismo. Ele é explorado na figura de Marcus (Cedric Yarbrough), um dos outros onze jurados que votam pela culpa de James na primeira tentativa de deliberação ao fim do julgamento. Na seleção do júri, o personagem sofre uma abordagem racista de Eric, ao ser questionado sobre eventual ato de violência contra sua esposa. Um estereótipo que o machuca ao ponto de tornar irredutível sua posição acerca da culpa do réu. O mesmo podemos dizer do componente de gênero pela convicção maior das juradas mulheres de que a vítima perdeu, sim, a vida pelas mãos daquele que dizia lhe amar.
“Jurado Nº 2” emula o clássico absoluto “Doze Homens e uma Sentença” (1957) no momento em que Justin se apresenta como único impedimento para se chegar à unanimidade, com referências diretas não apenas à encenação, mas também aos diálogos do filme de Sidney Lumet. Ao contrário do Brasil, nos Estados Unidos não há veredito por maioria e sim por consenso geral. O caso de Sythe possui a motivação perfeita (briga de casal), a vida pretérita do acusado capaz de cometer aquele crime e uma sequência de testemunhas e legistas pouco dispostos a contrapor a tese da promotoria. Enquanto isso, ao contrário da obra de Lumet, o espectador já sabe que aquele julgamento está muito longe de atingir a verdade real, exigindo que nos tornemos cúmplices de Justin.
O dilema do protagonista é uma lição: sempre haverá consequências em nossos atos. Não apenas o desvio de rota do homem, que parou em um bar antes de ir para casa e quase colocou em risco a abstinência de álcool, fundamental para o tratamento do vício. Não provocar a exclusão do júri no momento da seleção entra na conta. E mais: o sopro de humanidade que não lhe permitiu puxar a corda do cadafalso de James. Foi plantada pelo real culpado a semente da dúvida razoável.
Dali em diante, Eastwood dá espaço para outras atitudes dos jurados, baseadas em suas experiências e vivências, desde a estudante de medicina até a fã de documentários true crime. Coloca em xeque os vereditos reais ao construir uma trama que mostra como a persecução penal pode ser contaminada pelo trabalho direcionado dos investigadores. Indução de testemunha, convicção forçada e até mesmo uma admiração pela autoridade policial que faz com que personagens-chave do julgamento ajam acreditando que estão servindo a sociedade – sem se preocupar com a justiça do caso em que se envolvem.
Também não é errado afirmar que a vítima morreu “por causa” de James Sythe e suas atitudes violentas. O filme passa todo o tempo jogando com as relações de causa e consequência e nos faz pensar que, mesmo que Justin venha escancarar a verdade, a culpa continuará recaindo sob o réu. Apesar de toda as lições aprendidas pelo protagonista, perto do fim sai de sua boca aquela que talvez seja a frase mais importante do filme: “a verdade não é justiça”. Isso é dito por alguém que parece ciente dos seus privilégios e que, mesmo hesitando em condenar um inocente, se valeu de sua posição na sociedade para seguir a vida normal. O sistema nunca irá trucidá-lo como faria (e faz) com Marcus, por exemplo.
Clint Eastwood segue lecionando audiovisual em suas obras, mesmo com mais de 90 anos. A construção de emoção que leva à leitura do veredito, naquele ponto uma incógnita para o espectador, deixa qualquer sequência das infinitas horas de “Duna” e “Duna: Parte Dois” na saudade. Se já não bastasse o drama de tribunal formidável que nos apresente, a cena final de “Jurado Nº 2” é avassaladora. Terminamos a sessão jogados à solidão de nossos pensamentos, à projeção do verdadeiro fim – e do que seria a verdadeira justiça quando Killebrew bate à porta de Kemp. Atira em nós o dilema ético que nem um mestre do Cinema seria capaz de solucionar.
Veja o trailer: