Ligações Perigosas

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O francês “Ligações Perigosas” é uma das novidades da Netflix. Leia a crítica.

Sinopse: Em “Ligações Perigosas”, a estudiosa Célène se apaixona pelo rebelde Tristan, sem saber que ela faz parte de uma aposta cruel dele com Vanessa, a rainha das redes sociais da escola.
Direção: Rachel Suissa
Título Original: Les Liaisons Dangereuses (2022)
Gênero: Drama | Romance
Duração: 1h 49min
País: França

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Sensualidade Homeopática

Ligações Perigosas“, uma das estreias da semana na plataforma de streaming Netflix, traz como grande desafio uma tentativa de rotulação. Trata-se de uma releitura do clássico da Literatura do século XIII escrito por Choderlos de Laclos. Porém, uma forma de abordagem que nos leva ao núcleo jovem que traz o espectador (não tão jovem) a se lembrar de “Segundas Intenções” (1999), (jovem clássico?) produção teen que marcou uma geração com elenco de promessas hollywoodianas do final do século XX. Seria um remake de uma releitura ou uma proposta similar de adaptação? Pouco importa para os adolescentes que serão seduzidos pela “censura 18 anos” do catálogo do serviço mais popular do planeta.

Tristan (Simon Rérolle) inicia a história pelo final, com um discurso que traz o paralelo de poder pelo sangue azul da época do lançamento do livro de Laclos e a fama gerada pelo sucesso nas redes sociais dos novos tempos. Voltando alguns meses da linha temporal, Célène (Paola Locatelli) é apresentada como uma futura universitária que se muda para Biarritz, balneário do sudoeste da França. Ela realizará o sonho de estudar na fictícia universidade de Victor Hugo (autor que era apaixonado pela cidade). Com um cachorro chamado Balzac, ela se coloca como alguém que se opõe à forma contemporânea de se expor.

Devemos lamentar que esse aspecto da personalidade da protagonista de “Ligações Perigosas” seja apenas um plot simples que nos conecta à época da produção. Quando a narrativa tradicional da aposta entre Tristan e Vanessa (Ella Pellegrini) pela virgindade de Célène e uma paixão da deslumbrada Charlotte (Héloïse Janjaud) ganha forma, quase não há desenvolvimento desta leitura atual do que é poder e como a ideia de virtude se une à ela. O foco é a sugestão de que a jovem forasteira seguirá firma na ideia de ser “mulher de um homem só” e não imagina alguém que não seja o noivo parisiense Oscar (Oscar Lesage).

O longa-metragem escrito e dirigido por Rachel Suissa é mais um que abandona a sensualidade como forte elemento narrativo e visual. Reflexo de um audiovisual que, evitando de forma acertada o risco de ser objetificante ou desrespeitoso, se tornou cada vez mais careta. Consegue flertar com o eunuco em uma trama em que o jogo e o prêmio passam pelo sexo. Se na forma higienizada com a qual o filme estrelado por Ryan Phillipe, Sarah Michelle Gellar, Reese Whiterspoon e Selma Blair já desapontava quem esperava reencontrar algo próximo do que Stephen Frears fez em 1988, aqui a frustração é ainda maior.

O afastamento dos “menores de idade” da obra se justifica por duas ou três palavras “impróprias” (e vinculadas às formas de se relacionar sexualmente), um pouco de crueldade com o sentimento do outro e as descobertas que ultrapassam a lógica heteronormativa ou monogâmica. Héloïse Janjaud talvez seja a que sofra mais na comparação com “Segundas Intenções” pela forma marcante como Selma Blair construiu sua Cecile. O restante do elenco, por mais que seja um provável alvo das críticas do público, é mais uma turma que estrela produções da Netflix e não tem muito o que fazer com seu ofício. Temos representações, estética e visualidades engessadas, abdicando de qualquer originalidade ou inspiração. Até a utilização da linguagem de dispositivo, com quebras na montagem que nos coloca dentro de stories do Instagram e coisas do tipo, já é tão utilizada que nossa percepção entende como ferramenta tradicional, dentro de uma fórmula.

O rap francês é usado como muleta de uma trilha sonora que está ali sem se alinhar muito com a narrativa. Ao contrário do filme teen de 1999, que criou quase uma proposta de prólogo e epílogo musical com as canções de Placebo e The Verve. Aqui, antes do ato final trazer uma montagem teatral que faz o drama sensual se aproximar de um episódio de “Glee” (2009-2015), temos uma constrangedora cena que revisita a pop “Call Me Maybe” – e o espectador brasileiro talvez se lembre de uma versão do Galo Frito que parece ser mais explícita em relação ao sexo do que a sensualidade em doses homeopáticas de “Ligações Perigosas”.

O bullying sofrido por Célène por associar virgindade e virtude dura pouco. Afinal, ela será cooptada pela lógica de exposição nas redes sociais e se deslumbrará quando a chuva de likes chegar. Isso, “mantendo sua essência” ao legendas suas fotos com frases da literatura francesa clássica, de Balzac a Voltaire. Ou seja, o esforço em atualizar a história não leva a um caminho diferente, já que a exploração dessa perseguição adolescente tem pouco tempo de tela. Por que higienizar as representações, sob o medo de soar agressivo, se a plataforma diz que estamos diante uma obra que exige a maioridade para assistir?

O terço final até consegue ajustar um pouco o tom e encontrar parte da sensualidade sugerida desde o início. O surfe, outra muleta do roteiro para forjar a personalidade de Tristan, é o pano de fundo de uma cena noturna, talvez a única um pouco interessante em todo o filme. Pena que a mistura de “Glee” com “Hamilton” (2020) do que deveria ser o preparo para o clímax, nos tire do foco que “Ligações Perigosas” parecia encontrar. Sem explorar a midiatização da própria vida e com uma conclusão que rasga o final épico do livro (e até mesmo do assombro da versão adolescente de 1999), chegamos ao fim com a certeza de que douraram uma pílula de caretice do início ao fim da produção. Nos vemos semana que vem, Netflix.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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