Sinopse: Restrepo ganhou destaque após uma série de curtas-metragens alegóricos que pairavam no precipício entre a Vida e a Morte. Depois de Cilaos (Olhar ’17) e La Bouche, vem o primeiro longa-metragem vulcânico do cineasta nascido na Colômbia, no qual um jovem atormentado chamado Pinky (interpretando uma versão de si mesmo) busca orientação em forças opostas em Medellín. Sua jornada saindo dos confins de uma seita religiosa para o trabalho em uma fábrica de camisetas se depara contra violentas rupturas, que ocorrem de maneira tranquilizante e chocante. O país de Pinky surge como uma espécie de sonho febril. E sua história como um pesadelo do qual a arte o ajuda a despertar.
Direção: Camilo Restrepo
Título Original: Los Conductos (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 10min
País: Colômbia | França | Brasil
A Queda
O colombiano Camilo Restrepo é radicado em Paris desde o final da década de 90, no entanto, há algo de muito latino em seu olhar. Com outros títulos como o curta-metragem documental “Impression of a War” (2015), Restrepo inicia “Los Conductos” com o silêncio. Apesar de ouvirmos muitos sons, a fala não faz parte dos quase primeiro dez minutos do filme e os diálogos são poucos, é como narrativa que se apresenta o dizer em seu filme.
Essa opção combina perfeitamente com um certo tom de ditadura que transita pelo filme. Ou talvez, da guerra colombiana, aquela vivida nas cidades e que coloca em lados opostos os abastados e os esquecidos. Apesar de em um primeiro momento as imagens iniciais do diretor terem me lembrado bastante o imaginário que temos com as fotografias do processo ditatorial que vivemos na América Latina, com o decorrer da obra percebi que elas carregam bem mais do que o passado. Carregam o presente. Talvez, por isso, o silêncio.
A representação do túnel como uma metáfora que possibilitaria ir de um lado a outro não é concluída. Toda vez que nele chegamos, adentramos cada vez mais ao mundo paralelo vivido na Colômbia e em muitos outros países latino-americanos. Um mundo que dá conta daqueles que, para continuar a existir, precisam deturpar o sistema. O mundo das fábricas clandestinas, das empresas de fachada, das vendas de cobre e drogas ilegais. O mundo dos descentralizados. Daqueles que produzem seu próprio meio de vida em dutos (conductos) alternativos.
Ao narrar a vida em grupo dentro de um clã alternativo liderado pela figura do Padre, nosso herói torto Torquita vira espectador e protagonista da própria história. Talvez um pouco como ocorra em situações semelhantes. Não sei, meu mundo é bem distante desse universo paralelo. E, geograficamente perto. Essas contradições sociais inerentes ao modo de vida ao qual somos submetidos, escolhemos ou deixamos nos deixar guiar são exploradas por Restrepo quase lembrando os filmes do realismo fantástico latino-americanos que tem no Olhar de Cinema desse ano um de seus grandes nomes – Raúl Ruiz. São poucas cenas que nos remetem à essa surrealidade de Ruiz ou do próprio Jodorowsky tantas vezes citados em nossos textos, mas Camilo consegue deixar uma marca de que possivelmente bebeu destas águas alucinógenas.
Acontece que a realidade, por si só, já é tão absurda que nem é preciso de muito surrealismo para navegar pelas vias paralelas da Colômbia. A “desintegração moral” citada em algum momento no filme me levou a pensar o que poderíamos ter como definição da mesma. Se a moral está conectada aos costumes o que esperar daqueles para os quais está destinado pouco ou quase nada dos costumes das sociedades nas quais vivem? Seria o morador de rua um distorcido? Ou teria a sociedade provocado distorções irrecuperáveis? Podemos julgar o alimento – em sentido literal e figurado – daqueles que veem quase tudo faltar menos o corpo transfigurado em mero artefato para a sobrevivência?
Ao trazer a figura de Deus e do Diabo como personagens que veriam nossas mais torpes realidades, aquelas que temos vergonha de admitir em nosso convívio social, Vingança – outro herói torto de “Los Conductos” – relativiza a ordem a ser obedecida. Inspirado em Elegia a Desquite, do dadaísta colombiano Gonzalo Arango, Restrepo nos dá a pensar: por quanto mais tempo conseguiremos obedecer ao que conduz à nossa própria destruição? Décadas depois a pergunta continua a ser a mesma de Arango.
“Yo pregunto sobre su tumba cavada en la montaña: ¿no habrá manera de que Colombia, en vez de matar a sus hijos, los haga dignos de vivir?
Si Colombia no puede responder a esta pregunta, entonces profetizo una desgracia: Desquite resucitará, y la tierra se volverá a regar de sangre, dolor y lágrimas.” Gonzalo Arango (1958).
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