Lua Azul

Lua Azul Filme Crítica Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: Em “Lua Azul” Acompanhamos a jornada emocional de uma jovem que caminha rumo a um processo de desumanização. Irina luta para conseguir chegar ao ensino superior e, assim, escapar da violência de sua família problemática. Uma experiência sexual ambígua com um artista estimulará a intenção da garota de combater essa violência familiar.
Direção: Alina Grigore
Título Original: Crai Nou (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 30min
País: Romênia

Lua Azul Filme Crítica Imagem

Mal Naturalizado

Com uma produção audiovisual consolidada no circuito de festivais, o cinema da Romênia seguirá o caminho de revelar grandes cineastas todos os anos por um bom tempo. Em 2021, é possível que nada se compare com a criação de Alina Grigore, atriz de filmes de Cristi Puiu e Adrian Sitaru e que estreia na direção em longas-metragens com o impressionante “Lua Azul” – parte da Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP.

Um drama, por ela também escrito, que conta a história de Irina (Ioana Chitu), uma jovem que parece ser o para-raios de sua família, sob todos os aspectos. Uma heroína atacada de inúmeros modos, que não possui tempo de fazer com que suas fraquezas a dominem, visto que, a ela, tudo é exigido. Uma narrativa sobre alguém que tenta fazer uma revolução silenciosa, buscar por autonomia e emancipação sem que isso precise ser uma oposição desenfreada ao outro. Expediente que não a impede de sofrer múltiplas violências.

Lua Azul” se inicia apresentando, desde logo, um contraponto. Ele é Victoria (Ioana Ilinca Neacsu), irmã da protagonista. Uma outra jovem que não faz nenhuma questão de fingir costumes e corroborar com a hipocrisia de uma relação familiar aparentemente saudável em sua superfície e totalmente falida em sua estrutura. Em um almoço que deveria selar o futuro de Irina, no dilema entre cursar um Universidade em Bucareste ou voar para mais longe, em Londres, é a atitude questionadora da outra que chama atenção. O pai parece pouco disposto a lidar com a situação pelo viés do entendimento e a confusão crescente gera na personagem de Chitu uma forte crise de ansiedade e já deixa claro ao espectador a sensação de deslocamento, não-pertencimento e incompletude dela naquele espaço.

A maneira de não se insurgir, usando os regulamentos de uma dinâmica social feita para lhe oprimir, é o mote do filme. A partir dessa forma de misturar adaptação com avanço, Irina pode parecer uma presa fácil a todo tipo de agressor ou abusador. Podendo ser ele da própria família ou alguém do círculo de confiança. Uma trama forte que traz a violência sexual no segundo ato, fundamentada pelo apagão causado pelo álcool no sangue da protagonista. Rapidamente, o acusado vira investigador e julgador e acha em sua mente um quê de “intenção” originária para relativizar o fato de que cometeu um estupro. Trata de forma tosca a situação e, em uma das falas mais fortes da obra, ele atira com desdém a frase “errei sim, mas, e agora?“.

A certeza da impunidade em uma sociedade que admite abusos é a munição de Grigore para nos apresentar múltiplas violências, em perspectiva. Irina sofre um doloroso processo de traumas que se sucedem, sem que ela tenha tempo de tratá-los. A ausência de acolhimento faz com que ela lide da pior maneira possível: internalizar para dar prosseguimento à sua missão. Sempre acreditando que fará sentido mais adiante, que o fim libertador justifica os meios carregados de sofrimento, ela passa a vida lutando contra aqueles que dizem que a amam e a protegem. Como a sinopse oficial nos induz, na verdade é um processo de desumanização.

Em “Lua Azul” o público é convidado a assistir a um fragmento da vida da personagem. Um recorte no qual um estágio de sua existência, que para os homens é lido como uma fase, para ela é uma seleção de gatilhos de ansiedade e depressão. Em uma conclusão bem emblemática, quando a imagem nos mostra um descampado como “qualquer lugar do mundo a não ser ali”, Irina vai. E depois volta.

De forma melancólica, parece entender que fugir deixou de ser uma opção. Só gostaríamos de gritar para que ela continue tentando, até encontrar quem a compreenda. Gritar também para aqueles que deslegitimam filmes como essa, no qual Alina Grigore conta uma história com toda a qualidade comum ao cinema do seu país. E, além disso, é capaz de colocar parte da plateia diante do espelho – e mudar suas vidas.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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