Luiz Melodia – No Coração do Brasil

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Sinopse: O documentário musical “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” narrado todo em primeira pessoa, busca dar voz ao artista, que ao abraçar sua liberdade musical e originalidade, desafiou muitas normas no mercado fonográfico e cultural brasileiro. Esculpido com materiais raros e inéditos de arquivo, reflete a importância cultural de seu legado e da cena musical ao qual contribuiu ativamente a partir dos anos 70.
Direção: Alessandra Dorgan
Título Original: Luiz Melodia – No Coração do Brasil (2024)
Gênero: Documentário | Musical
Duração: 1h 15min
País: Brasil

Documentário Luiz Melodia - No Coração do Brasil (2024) Crítica do Filme

Acalmando o Sentido

Após passagem bem sucedida pelo circuito dos festivais de 2024, chega às salas de cinemas na próxima quinta-feira, dia 16 de janeiro, “Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, documentário dirigido por Alessandra Dorgan. A partir de intenso trabalho de pesquisa, a obra revisita passagens da trajetória musical do cantor, que faleceu aos 66 anos em 2017. Vencedor do prêmio de melhor filme no In-Edit do ano passado, a produção também fez parte da seleção do É Tudo Verdade.

Há uma grande diferença entre essa produção e “Todas as Melodias”, documentário mais performático lançado em 2020. A estrutura narrativa aqui é totalmente ancorada nas imagens de arquivo, das mais variadas épocas da carreira de seu protagonista – mas não apenas isso. Na cena inicial, por exemplo, pela narração de Melodia extraída de trechos de entrevistas concedidas, Dorgan faz uma espécie de etnografia do Morro de São Carlos e do bairro do Estácio, reduto do cantor.

Com isso, “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” tem momentos em que usa a tática da ressignificação em pista dupla, com imagens e sons se encaixando para encontrar um resultado único. Lida com a própria história do Cinema Brasileiro, por exemplo, ao utilizar imagens de obras como “Cinco Vezes Favela” (1962) e “Rio, 40 Graus” (1955). Remete a outros excelentes documentários de propostas similares como “Belchior – Apenas um Coração Selvagem” (2022) e “Humberto Mauro” (2018), mas encontrando a sua personalidade, também não sendo meramente colagens ou sobreposições de arquivos.

Para isso, conta também com a figura inebriante de Luiz Melodia. Com uma ascensão meteórica nos anos 1970, primeiro enquanto compositor de “Pérola Negra” de Gal Costa e “Estácio, Holly, Estácio” de Maria Bethânia e depois na sua própria voz, como na explosão de “Juventude Transviada” na trilha sonora de “Pecado Capital” (1975), novela feita às pressas por Janet Clair para substituir a censurada “Roque Santeiro” e que se tornou sucesso e clássico absoluto na televisão brasileira com abertura composta e interpretada por Paulinho da Viola.

“Luiz Melodia – No Coração do Brasil” deve encontrar diferentes percepções de acordo com o recorte geracional de quem assiste. O documentário aborda como a personalidade do artista e seu desejo de não se curvar às imposições das gravadoras (que queriam colocá-lo na caixinha de sambista), criou para ele um rótulo de artista alternativo e marginal. Aliás, todo o grupo de grandes nomes da música brasileira que habitam seu ecossistema, como Torquato Neto, Waly Salomão, Itamar Assumpção, Sergio Sampaio e Jards Macalé. Todos possuem tempo de tela, com o último naquele que parece ser o arquivo mais atual, compondo e gravando com Melodia.

Sendo assim, quem viveu os anos 1970 e 1980 talvez redescubra ou entenda o porquê do promissor intérprete e compositor de “Ébano” aparecer tão pouco na mídia até sua morte ainda jovem. Para quem veio depois da onda de popularidade do cantor, se destacam algumas explicações para entender os motivos de uma obra musical tão espetacular não ter o tamanho que merece. E sempre há os mais novos e aqueles que precisam conhecer as grandes figuras da arte brasileira. Para esses, produções como essa nunca deixarão de ser fundamentais.

A proposta de manter apenas os arquivos encontra, claro, algumas limitações. Nada que comprometa as grandes qualidades da obra. Porém, pode ser que alguns sintam falta de um entendimento acerca dos conflitos na relação entre Melodia e Assumpção, por exemplo. Já outras passagens da vida do protagonista atraem para a obra os recortes sociais de seu tempo e espaço – e que permanecem atuais. Sobretudo pela quase desistência de Melodia em fazer música, adiada pela pouca disposição de tentar as outras opções possíveis que o destino e a sociedade o reservariam.

No fim da vida, ele abraçou o samba, não dando o braço a torcer para o mercado fonográfico e sim para fazer releituras à sua maneira do que ele entendia válido. Ironicamente, possuía o mesmo requinte nas composições acerca do cotidiano de Cartola, mas quis Luiz Melodia se assumir enquanto uma pantera e agir de forma que tornou inegociável sua autonomia. Algo quase sempre fatal na produção cultural industrial.

Chama a atenção o lapso temporal entre as cenas da Praça Tiradentes lotada para assisti-lo junto à banda Black Rio até a redenção encontrada com o excelente acústico de 1999, a qual Alessandra Dorgan dedica tempo para a inesquecível performance de “Fadas” ao lado da eterna Elza Soares. Com isso, “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” chega ao fim voltando ao início, repetindo a origem do protagonista para lembrar que eles continuam existindo. Tanto ele: o artista; quanto eles: a origem e o destino.

Veja o trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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