Sinopse: O documentário retrata cinco pessoas que tentam se recuperar do alcoolismo ou do uso abusivo de substâncias. As diferentes narrativas mostram aspectos variados do vício: há um artista que parou de beber sem a ajuda dos Alcoólicos Anônimos; um homem sóbrio há 23 anos que auxilia quem tenta vencer a dependência das drogas; uma mulher que passou por internação; um aposentado que ainda precisa superar o vício; e um homem já recuperado que vive na periferia do Rio de Janeiro.
Direção: Guilherme Coelho
Título Original: Luz Acesa (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 10min
País: Brasil
Naturalmente, Naturalmente
“Luz Acesa” acompanha quatro homens e uma mulher que superaram ou estão no processo de superação de seus vícios em álcool e toxicodependência. Guilherme Coelho faz uma abordagem humanista, longe do sensacionalismo e bem peculiar em sua obra. Talvez por ser natural do Rio de Janeiro, assim como personagens, não cause estranhamento essa naturalidade de ver Rogério, Ricardo, José Ricardo, Fernanda e Zé Henrique transitar por aqueles espaços da zona sul, área nobre da cidade, ou regiões periféricas dividindo suas experiências e vitórias.
Não são poucos os momentos emocionantes (e emocionados) de parte dos entrevistados, incluindo familiares e amigos. Todavia, o cineasta se insere no meio de tal forma que suas intervenções, no melhor método Coutinho, soa como parte integrante da cena. Uma abordagem respeitosa e imersiva na medida certa para que o documentário escape do jornalístico ao mesmo tempo que evite o melodramático.
A grande questão que atravessa quase todas as manifestações de “Luz Acesa” estão relacionada à socialização do consumo de drogas líticas, como o álcool. Pessoalmente, divido o estranhamento que um dos personagens evoca ao, após a superação da dependência, participar de encontros de conhecidos regados à bebida. Há essa ideia de que não há problema em beber socialmente. Mas, não há problema em não beber. Por sinal, uma atividade que desde o início do isolamento social (agora contando oito meses) evitei justamente por entender a minha vulnerabilidade do momento, mesmo sem nunca ter criado essa relação tóxica.
Corria-se o risco do longa-metragem chegar a um puritanismo ou uma defesa de moral tacanha. Não há vinculação imediata. O filme se propõe a mostrar a importância de conhecer nossos próprios limites e não impor regras de conduta ou julgar atitudes. Tudo isso com um discurso tipicamente carioca, de quem conta a história mais escabrosa com a tranquilidade que, aqueles que nunca passaram por aqui, tem dificuldade de compreender.
A materialização da sociabilidade do álcool é abordada de forma sutil por Coelho. Uma jovem no Carnaval bebendo uma caipirinha no metrô, entrevistas em restaurantes onde outras pessoas consomem sua cerveja. Tratar do assunto com naturalidade é o passo que deve seguir à aceitação de que se precisa de tratamento. No momento mais tocante, Ricardo conta que tentou se internar voluntariamente em uma clínica que se revelou ser de fachada. Sempre há uma aura de hipocrisia de elite que a linda fotografia de cartão-postal do Rio de Janeiro parece trazer junto consigo.
Não há em nenhum momento do documentário uma construção de discurso, um polimento de fala. Se expressando de forma direta, o único momento em que sentimos participar de uma entrevista é em uma das últimas cenas, um sensível participação dos pais do mesmo Ricardo. Por isso o resultado final atingido em “Luz Acesa” é ainda mais louvável. Patologias como as que sofrem aqueles cinco são incuráveis, como bem lembra Fernanda. Ao trazer o tradicionalismo na abordagem e mergulhar na área nobre de uma cidade tão presente no imaginário, o grande desafio do diretor era, afinal, não transformar a naturalidade em naturalização – mas deixar claro que estamos diante de pessoas que sabem que cada dia carrega uma nova batalha a ser vencida.
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