Sinopse: Em “Mães de Verdade”, após um longo e frustrado esforço para engravidar, e convencidos pelo discurso de uma associação de adoção, Satoko e o marido decidem adotar um menininho. Alguns anos depois, a paternidade do casal é abalada por uma garota desconhecida e ameaçadora, Hikari, que finge ser a mãe biológica da criança. Satoko, então, resolve confrontar Hikari diretamente.
Direção: Naomi Kawase
Título Original: 朝が来る (2020)
Gênero: Drama
Duração: 2h 20min
País: Japão
Páginas Descartadas de um Folhetim
“Mães de Verdade“, selecionado para o Festival de Cannes 2020 e exibido na seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo segue uma linha universalista da diretora Naomi Kawase, agora se espalhando em várias frentes narrativas. É baseado no livro infanto-juvenil de Mizuki Tsujimura, que já havia sido adaptado para a televisão japonesa em uma minissérie de seis episódios. No primeiro plano, um trama bem costurada das relações maternas e suas mais diferentes manifestações – porém, engendrada de maneira a não adquirir uma forma específica, o que acaba pesando na carga emotiva, uma das marcas da filmografia da cineasta.
A conexão da história se dá pelo menino Asato (Reo Sato). Sua mãe biológica, Hikari (Aju Makita) engravidou na adolescência e aderiu a um programa de adoção humanizada, em que a fase de gestação possui acompanhamento e acolhimento. Passados alguns anos, os pais adotivos da criança são despertados por um preocupante aviso da escola do garoto, que dão conta de que ele teria empurrado com violência um colega. A abordagem inicial de Kawase aqui parte deste primeiro estranhamento. Contrapõe uma aparente harmoniza inabalável da residência daquela família com o desconforto causado pela dúvida sobre o comportamento do filho.
Por sinal, este desconforto permeia boa parte dos primeiros momentos de “Mães de Verdade“. Em paralelo, a busca de Hikari pelo filho que entregou à adoção inclui uma nova frente. Desta forma, com poucos personagens e manifestações cotidianas, somos levados a embates sobre honra, fragilidade e orgulho – masculino, feminino e parental. A ética da adoção nos é despertada no primeiro elemento que a cineasta adiciona a essa narrativa clássica. Ela quebra a cronologia para retornar ao ponto em que Asato ainda era uma ideia, um procedimento acompanhado pelo Estado e agentes humanitários.
Regras rígidas para se obter a autorização são mostradas e é impossível não traçar comparações com as dificuldades encontradas por brasileiros que querem seguir o mesmo caminho. A preocupação com o vínculo afetivo e com o desenvolvimento psicológico da criança exige que um dos pais se demita e permaneça em casa por mais tempo, por exemplo. De fora dessa trajetória, Hikari vive o drama adolescente de uma gravidez precoce, sem apoio do namorado e com forte ataque dos pais – que espelham os julgamentos da sociedade. A honra é um elemento que retorna sempre que possível.
É neste ponto que “Mães de Verdade” se torna mais atraente. Kawase lapida essa relação do ponto inicial da cronologia com uma linguagem próxima do documental, que por vezes lembra o expediente usado por outro diretor veterano, o alemão Werner Herzog, em “Family Romance” (2019), parte da programação do Festival do Rio de 2019. Há uma aproximação e uma encenação que vai transformando em relatos, criando um arcabouço dramático valioso para as intenções sensoriais que a cineasta sempre se dispôs.
Todavia, Naomi não vai a fundo nessa proposta. Essas intervenções duram pouco, o tempo necessário para telegrafar esse sentimento de flashback. Ao abandonar essa modalidade e deixar claro que a aplicou somente para didatizar a narrativa, ela passará a segunda metade do longa-metragem (de quase duas horas e meia) buscando algo mais próximo de um grande romance (no sentido literário, que originalmente chamamos de novel). Aos poucos vamos assistindo a produção transmutar para o folhetinesco, sem que o pico melodramático que ela sempre ensaia chegasse no reboque de uma história bem construída.
Até porque todo o debate ético e as trocas possíveis sobre questões maternas e as relações extra geracionais que se criam a partir da cumplicidade do elenco feminino perdem espaço para o grande foco de “Mães de Verdade“, a odisseia de culpa de Hikari. Naomi Kawase quer ampliar, potencializar uma busca redentora de sua protagonista – baseando os momentos mais contundentes do filme em uma mistura de drama e suspense. Ao buscar o universalismo, acaba se tornando um pouco impessoal – nos fazendo estranhar a frieza como recebemos o clímax de uma contadora de histórias tão envolvente quanto ela.
Veja o Trailer de “Mães de Verdade”
O filme estreia em circuito no dia 13 de maio:
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