Mainstream

Mainstream 2020 Filme Crítica Telecine Apostila de Cinema Poster

Sinopse: Um trio de jovens ganha fama através de vídeos do YouTube, até que o lado sombrio do estrelato surge, fazendo que com que eles lutem por suas próprias identidades.
Direção: Gia Coppola
Título Original: Mainstream (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 34min
País: EUA

Mainstream 2020 Filme Crítica Telecine Apostila de Cinema Imagem

Genealogia dos Influencers

Já passamos do tempo de identificar certas similaridades nas trajetórias dos influenciadores digitais, entendidos há muito como os comunicadores de massa contemporâneo. É a partir dessa jornada do anti-herói que a cineasta Gia Coppola faz “Mainstream“, drama protagonizado por Andrew Garfield e Maya Hawke, que estreia esta semana na faixa nobre Première do canal e serviço de streaming Telecine. Em mais um excelente trabalho de um dos atores mais talentosos de sua geração, o filme mostrará o caminho do sucesso ao ocaso (será?) de Link (Garfield), que se transforma em No One Especial (Ninguém Especial), um youtuber bem-sucedido.

A forma como o interesse de Frankie (Hawke) é despertado também não é nada inovador. Uma jovem em busca de ascensão enquanto exerce seu trabalho de bartender sem boa perspectiva. Neste ambiente, o rapaz aparece como um ícone antissistema. Primeiro questionando a sociedade de consumo em uma intervenção artística em um shopping – filmado por ela – e depois revelando não ter sequer um aparelho de telefone. O que poderia ser um rebrandind de um Capitão Fantástico urbano vira um experimento para a moça, que passa a captar os passos de Link. De acordo com a realizadora, neta de Francis Ford Coppola, o visual e o jeito do personagem é inspirado no primo Nicolas Cage.

Se apresentando desta maneira, o protagonista de “Mainstream” parece um caso pensado para a atual indústria do entretenimento. Até porque os desdobramentos do seu sucesso já são cartas marcadas. Um pária da sociedade de consumo por princípio supre uma demanda que começou com a espetacularização do fracasso e se tornou a espetacularização do outsider. Em uma era atolada de informação e conhecimento, no qual somos bombardeados por debates edificantes e especialistas em qualquer coisa, o herói passa a ser aquele que rompe com a lógica. Essa premissa, antes aplicada na ficção ou no entretenimento, ganhou capilaridade em todos os aspectos da vida contemporânea. A ponto de não sabermos mais diferenciar a realidade, elegendo comediantes ou coisas piores para cargos eletivos ou elevando ao status de autoridade alguém que desconstrói fatos sem qualquer argumento válido.

Por mais que a experiência fílmica do longa-metragem seja engessada, aplicando elementos do cinema indie norte-americano, sua temática será capaz de captar parte do público. Coppola não parece preocupada em fugir da lógica da narrativa tradicional e aplica elementos do audiovisual de dispositivo quase como um adendo, usando a linguagem moderna de produções de conteúdo como o YouTube apenas como efeito de montagem. Quem se interessar por essa ótica encontrará em obras alternativas ou que flertam com o experimental material mais atraente.

Até em relação aos desdobramentos da criação da personalidade de um influenciador, há filmes como o documentário “Jawline: Ascensão e Queda de Austyn Tester” (2019) que dão conta desta leitura. O que dá peso a “Mainstream”, entretanto, é o ótimo trabalho de Andrew Garfield. Seu No One Especial parece a continuidade de Jim Bakker, pastor televisivo que lhe deu uma indicação ao Oscar este ano pelo (ainda) pouco visto “Os Olhos de Tammy Fae” (2021) – disponível no concorrente Star+. Atuando bem nesse jogo entre cooptar e ser cooptando, vai girando a roda e tomando conta da realidade, algo que parecia estar nas mãos de Frankie e Jake (Nat Wolff). Não sei se captado pelo tema, mas o ator pareceu mais parecido com o Felipe Castanhari do que em outras produções da sua carreira.

Jake vive um amor platônico por Frankie e aceita se tornar o roteirista dos vídeos de Link. Aliás, a roteirização é o primeiro passo para se entregar às métricas que te obrigam a ser submetido para que o seu conteúdo tenha alcance. O roteiro de Gia ao lado de Tom Stuart tem a preocupação em não mexer no vespeiro que faz do próprio YouTube um agente de desinformação a partir da sua padronização imposta. O foco aqui é a transformação de uma nova celebridade, repetindo os mesmos erros que testemunhamos diariamente na vida real com verniz de ficcional, usando os mesmos dispositivos pelos quais assistimos ao filme, ironicamente.

Desta forma, a grande virada do ato inaugural para o desenvolvimento acontece quando, ao mesmo tempo, chega a informação de que Link cedeu ao sistema e arranjou um celular enquanto Frankie, inserida nessa sociedade de consumo, trocou o carro pela bicicleta para poder pagar o aluguel. Da roteirização de Jake, o conteúdo viral que assemelha o canal de No One Especial ao pioneiro Jackass (e não à toa Johnny Knoxville faz uma participação no longa-metragem). Em uma montagem que tradicionalmente desfragmenta a narrativa e nos faz avançar na linha do tempo, a cineasta traz o momento mais ousado de “Mainstream”. Com umas sequências um pouco mais caóticas, usando trechos desses vídeos, ela deixa para atrás a despretensão do início da carreira de Link e o transforma em um influenciador gigante nos moldes de Felipe Neto ou, mais próximo tanto na estética quanto no discurso, de Rezende Evil.

A profissionalização vai fazendo do protagonista cada vez mais performático – e, por consequência, forçado. Aqui que Garfield brilha com apresentações exageradas de um rapaz desvirtuado e atolado na própria espetacularização de si. E é curioso que, por mais que estejamos diante de uma forma de comunicação moderna, os youtubers, quando se tornam reféns dessas métricas e algoritmos, usam táticas muito parecidas com as da televisão, o rádio, a mídia impressa, os circos e feiras públicas em seus auges: o sensacionalismo e a humilhação do outro. Chega um momento em que a piada sobre si perde o sentido, já que estamos diante de alguém rico e poderoso – é preciso atrair novos agentes para o centro do picadeiro (quem lembra da trajetória do programa Pânico tem na mente um exemplo clássico).

O ato final de “Mainstream” completa de forma brilhante esse genealogia dos influencers. Link será confrontado a partir de uma crise em sua carreira provocada pela sua escalada espetacularizante, inclusive com um final que traz um forte discurso sobre culpabilização que dá amplitude ao filme. Ciente de si, ele dobra a aposta da agressividade para não revelar que era uma farsa desde sua origem. Fica esse recado para todos que renovam de forma constante sua lista de ídolos. Descobrir suas imperfeições é uma questão de tempo e a única forma de evitar a frustração e não criar altares no nosso cotidiano.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *