Matar a un Muerto

Matar a un Muerto

Sinopse: Durante o regime militar no Paraguai, dois homens enterraram secretamente corpos na floresta. Uma manhã, entre a pilha de mortos, eles descobrem alguém que ainda está respirando.
Direção: Hugo Giménez
Título Original: Matar a un Muerto (2019)
Gênero: Thriller
Duração: 1h 27min
País: Paraguai

Matar a un Muerto

Pastores do Mato

No ano de 1974, boa parte da América Latina estava sob governos ditatoriais extremamente violentos e dissimulados. Sumindo e torturando seu povo, alguns dos representantes ou longa manus dos regimes estavam apenas cumprindo ordens. Sob esta ótica, o paraguaio “Matar a un Muerto“, dirigido por Hugo Giménez, traz a história de dois homens que cumprem uma específica função na floresta: enterrar as novas vítimas, os mortos que caem por ali diariamente. Em meados de junho daquele ano, eles precisam dividir suas atenções na realização das diligências e a emocionante Copa do Mundo de 1974, aquela que aconteceu na Argentina e foi vencida pela mesma, depois que o Brasil ficou de fora na final com a Holanda em uma estranha goleada da seleção da casa sob o Peru por 6×0.

As propostas metafóricas e destrinchamento das imagens lembram muito outra obra apresentada no Festival de Gramado deste ano, o argentino “El Silencio del Cazador“. Pastor (Éver Enciso), experiente no trabalho, está às voltas com uma perseguição a um cachorro selvagem, que ronda o canavial no interior do Paraguai onde fica o posto de comando dele e de seu parceiro, Dionisio (Aníbal Ortiz). Uma relação ainda em formação, em que o mais velho tenta aplicar o conceito de masculinidade que entende necessário para levar a cabo às missões, ao intimar o outro a fumar. Até que um dos homens que eles deveriam enterrar está vivo.

Se compararmos com “Aos Pedaços“, longa-metragem nacional exibido um pouco antes desta produção, identificamos uma relação oposta no que diz respeito aos protagonistas. O Eurico do filme de Ruy Guerra se vale das perturbações de sua mente para nos conduzir à narrativa. Em “Matar a un Muerto” todos os sons e obsessões são concretas, permitindo uma obra pautada na representação crua e nos poucos diálogos – uma tendência de todos os filmes latino-americanos na disputa.

Nessa ideia de cumprir ordens, por vezes nos faz lembrar a trajetória narrada por outro pastor, o “Pastor Cláudio” (2017), documentário de Beth Formaggini sobre um dos mais sanguinolentos capangas da Ditatura Militar brasileira, que não se olvidou de expor seus procedimentos quando chamado à Comissão da Verdade. Há uma ideia de vazio ali naquele meio do mato, em que se banaliza o trabalho que está sendo desempenhado. Até a dificuldade em saber o resultado dos jogos contribui para essa proposta de desimportância das atitudes tomadas pela dupla.

Como qualquer forma de atuar militar, as formações de células incomunicáveis, sem contato lateral (apenas vertical), é fundamental para o sucesso de uma empreitada. Na América Latina não podemos negar que os objetivos foram alcançados, ao preço de muito sofrimento e morte na sociedade. Pastor e Dionísio podem até se sentir alienados naquele local, mas são peças fundamentais daquela engrenagem. Não vemos a mesma graça que eles quando um chama o outro de Kempes, o matador, quando simulam um jogo de futebol. Não há ironia em um regime de exceção se essa custa vidas.

Só que “Matar a un Muerto” nos traz uma redenção tão silenciosa quanto os procedimentos dos dois. Ao permitir que mortos também vivam e agindo para que essa ideia se concretize, os protagonistas nos deixam com a mensagem de que sempre há tempo e formas de colocar facínoras nos seus devidos lugares.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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