Milagre Azul

Milagre Azul Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Em “Milagre Azul”, um grupo de crianças e o dono do orfanato onde moram se unem a um marinheiro rabugento para uma lucrativa competição de pesca esportiva, na tentativa de salvar a instituição.
Direção: Julio Quintana
Título Original: Blue Miracle (2021)
Gênero: Drama | Aventura
Duração: 1h 35min
País: EUA

Milagre Azul Crítica Filme Netflix Imagem

Os Jovens e o Mar

Muitos aguardavam com ansiedade a chegada de “Milagre Azul“, segundo longa-metragem do descendente de cubanos Julio Quintana, que chegou hoje à plataforma de streaming Netflix. Inspirado na história da Casa Hogar, orfanato mexicano localizado no Cabo San Lucas, no México, o filme consegue fugir das representações alegóricas às quais parecia se embrenhar em seu primeiro terço. Mesmo assim, explora pouco as possibilidades enquanto jornadas de autoconhecimento, apostando somente no caminho óbvio da aventura que boa parte do público já sabe onde vai dar.

Omar (Jimmy Gonzales), conhecido como Papa pelos jovens meninos residentes na casa, encontra dificuldades em manter a instituição aberta. Em uma área costeira, cogita-se até mesmo tirar o ovo da dieta básica e manter como proteína apenas as cavalinhas que o comércio pesqueiro da região consegue oferecer a um custo mais baixo. O roteiro de Quintana – ao lado de Chris Dowling, que adora usar “lições de vida” como mote de seus projetos – não explora tal fator, mas sabemos que parte das mudanças climáticas e destruição ambiental torna cada vez mais difícil a exploração marítima. Contrariando a lógica, um torneio de pesca esportiva chamado Bisbee’s Black and Blue mantém pequenas embarcações por três dias no mar com o objetivo de premiar aqueles que trouxerem o marlim, maior peixe daquela área, mais pesado para as docas.

O que o cineasta faz é usar uma semiótica básica com a cor, tão didática e exagerada que chega a incomodar um pouco de início. Qualquer faísca interpretativa se impõe no contraponto às tonalidades de azul que ocupam quase totalmente a tela. Todas as paredes, carros, roupas e objetos são azuis, à exceção do que destoa do discurso harmônico de bondade e fé do local. É assim que Moco (Miguel Angel Garcia) aparece, após furtar um relógio. Com roupas pretas e marrons, em oposição a tudo o que se coloca em cena. Isso levará Papa Omar a Wade (Dennis Quaid), norte-americano dono do relógio recuperado e de uma das embarcações (de camiseta marrom, mas já de calças jeans). Após uma tempestade tropical que compromete a estrutura do orfanato, já afundado em dívidas e com as verbas comprometidas, ele aceita participar e levar alguns garotos para a competição de pesca.

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Milagre Azul” parece escorregar bem do foco na edificante mensagem moralista. Isso parecia uma tendência no início, que coloca algumas armadilhas nas quais poucas produções conseguem escapar. O administrador da Casa Hogar, por exemplo, inventa uma espécie de “prego mágico” que o acompanharia no bolso como um amuleto. Ele também se ergue como um protagonista que busca o caminho da oração como força poderosa, até a chegada do furacão na costa. As consequências reais acabam demandado atitudes práticas, por mais que se entenda que o fato ali ocorreu por uma ação divina. Um agir que independe de crença e parece menos fadado a afastar parte do público.

Este terreno perigoso é bem superado pela narrativa. Foge do maniqueísmo e do caminho fácil de colocar Wade como o capitão decadente (e descrente) que será levado para o lado Azul da Força. Por mais que Quaid pareça exercer sua função no piloto automático (ou comandante automático), o texto encontra uma forma razoável de não forçar interações. A questão é que esse expediente tira possíveis problemas, mas também compromete o andamento da obra. Não a faz encontrar suas dinâmicas internas, desenvolvendo seus dramas de forma panorâmica, se valendo apenas de alguns diálogos sobre o passado dos personagens.

Ao não explorar tanto as experiências vividas por aqueles jovens dentro do barco, o filme coloca as suas representações como uma simples ferramenta, um meio que Omar encontrou para solucionar a questão financeira. Isso vai de encontro com a própria premissa de longas-metragens desta natureza, que priorizam a jornada e não o resultado, buscando suas mensagens edificantes no que há pela estrada (ou léguas) a serem percorridas. Esqueça a velocidade de cruzeiro dos dramas bem construídos (ou que, pelo menos, reproduz a linguagem básica de seus situações estabelecidas), aqui o ritmo não encontra intensidade, age em nó baixa.

Ganha aderência apenas na abordagem do dilema ético do protagonista. Até acerta mais uma vez ao criar um ambiente para seu clímax a partir de um rápido discurso anti-meritocrático de Jimmy Gonzales. A questão é que tudo no filme é ligeiro, pouco desmembrado, pensando somente para tornar a montagem dinâmica. Por não conseguir tal objetivo, acaba deixando o espectador carente sob vários aspectos. Entendemos que há traumas que geraram arrependimentos, que os meninos levarão para a Casa algumas lições de disciplina e companheirismo, mas quase não as materializamos – e o pouco que fazemos é a partir de exposição em diálogos algoritmizados.

Por fim, ainda permanece a dúvida: os obstáculos superados por “Milagre Azul” torna seu saldo positivo? Ficar feliz porque não exagera no moralismo, na representação da culpa cristã ou na prosperidade fácil (à exceção de sua conclusão) enquanto elogio talvez seja sinal de que as produções recentes nos deixou apenas com a triste realidade das baixas expectativas.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

2 Comments

  1. Li essa e outras críticas a respeito do filme que assisti ontem. Fui assisti-lo esperando algo e encontrei. De quase todas as críticas que li, também não restou surpresa alguma: Sempre o mesmo ranço com filmes carregados de mensagens otimistas, positivas e/ou religiosas. Eu realmente não entendo como os críticos de uma maneira geral custam a entender que quem senta para assistir a “Quatro Vidas de Um Cachorro”, “A Cabana” ou o “Milagre Azul”, não tem a mesma expectativa que tem quem foi assistir a “Irreversível”, “Foi Apenas Um Sonho” ou “Amor” no Guion em Porto Alegre ou quem sabe, “Platoon”. Para não me alongar mais, vou dar um exemplo pessoal: Temos um cachorro salsicha lá em casa. O Legolas. Vai fazer um ano agora em Junho, dia 21. Xodó da casa. Demos de aniversário para o meu filho. Ele é louco pelo cachorro. Aliás, todos adoram o bichinho, eu, a minha esposa, minha sogra.
    Mais ou menos na hora da final do campeonato gaúcho, o portão da rua não tava com a fechadura girada, tava uma baita ventania, abriu o portão e ele escapou.
    Rua sem saída, mas mesmo assim, bem na hora um carro manobrava, quase ele foi para baixo das rodas. Não foi porque a minha esposa saiu berrando como uma desvairada e o cara freou. Se essa história fosse um filme, os críticos iriam querer o que? Uma cena com as rodas esmagando o cachorro? A morte do bichinho para mostrar como um menininho de 9 anos vai lidar com a perda, quem sabe algum drama familiar escondido que eclodisse com o trauma? Só para “desenvolver” a história? Ou será que simplesmente o espectador desse filme fictício só esteja buscando relaxar de um mundo já suficientemente tenso por uma epidemia que já está no seu segundo ano?

    1. Infelizmente alguns críticos acham que todos os filmes tem que ser panfletários, com viés político de esquerda, ao invés de pura e simplesmente provocar no expectador alegria, diversão, emoção. Cinema não precisa ter viés ideológico para produzir esses sentimentos! Parabéns pelo seu comentário.

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