Missão Cupido

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Sinopse: O rebelde anjo da guarda Miguel (Lucas Salles) profetiza que sua protegida, Rita (Isabella Santoni), jamais encontraria um amor. Ela passa a vida querendo se divertir, focando no prazer, sem jamais pensar em um relacionamento duradouro. Miguel, então, recebe uma ordem expressa do Presidente (Rafael Infante), o dono da Miracle (Rafael Infante), uma agência de seguros de vida da qual os assegurados são os seres humanos e os funcionários são anjos contratados pela empresa: ele precisa voltar à Terra para resolver o problema que causou.
Direção: Rodrigo Bittencourt
Título Original: Missão Cupido (2021)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 35min
País: Brasil

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Coragem x Noção

Se há algo que o conservadorismo brasileiro não pode reclamar é de censura. Mesmo na ala hegemônica libertária do audiovisual do país, encontramos exemplos de obras capazes de agradar a um público que ainda procura traços do tradicionalismo involutivo de outros tempos. Mesmo com uma equipe que jamais se colocaria como antagonista de um discurso crítico sobre a sociedade. “Missão Cupido“, que estreou esta semana no serviço de streaming do Telecine após passagem nos cinemas, é um desses casos. Uma obra que foge da ideia básica de que o cálculo que transforma subversão em reprodução de estereótipos é capaz de ser realizado quase que usando uma regra de três. Se o resultado é por força de uma estratégia comercial ou pela falta de calibragem, não cabe a nós julgar.

O filme é escrito e dirigido por Rodrigo Bittencourt, realizador que, dentre outras criações, lançou há pouco mais de um mês videoclipe de uma música sua em homenagem a Marielle Franco. Estrelado por um jovem representante de um star system que surge em uma geração conectada, Lucas Salles é Miguel, anjo da guarda de Rita (Isabella Santoni). Dez anos após ele jogar uma praga contra ela, que a deixou sem emplacar um relacionamento, ele retornará às funções acumulando o posto de cupido, a mando do Presidente, autoridade celestial Toda-Poderosa vivida por Rafael Infante.

Ao chegar na Terra, o protagonista encontra uma mulher muito bem resolvida, ao lado de Carol (Thais Belchior). A amiga, próxima dos trinta anos, deseja um amor padronizado e heteronormativo para chamar de seu, enquanto Rita parece disposta a experimentar-se no processo. “Missão Cupido“, então, joga pelo ralo a construção crítica da própria personagem. Pensada enquanto pessoa empoderada, ela objetifica a cantora no bar onde passa a noite. Aposta que conseguirá despertar interesse da mulher no corpo de Agatha Moreira. Esta, na verdade, é a Morte.

Por mais que Bittencourt e todos os responsáveis pelo longa-metragem acreditem que estejam subvertendo a lógica, o resultado final chega mais perto de reprodução de comportamento. Isto porque Miguel, enquanto anjo da guarda, demandará esforços para encontrar um amor (leia-se, um homem) para que Rita seja salva das garras da Morte (leia-se, uma mulher). Por óbvio que o condicionamento de gênero e sua vinculação padronizada a uma sexualidade pré-estabelecida, por si só, não é um problema – mas a mensagem que se passa é o de reforço de uma ideia.

O anjo e cupido não parece muito disposto a cumprir os regramentos impostos pelo Presidente, sendo ali a base do humor. Infante cria uma persona com os mesmos trejeitos de Jim Carrey, em outra contribuição que torna esta comédia um exemplar de vinte anos atrás perdido no tempo. Neste panfleto de cura gay que se transforma a narrativa, o texto é quase tão quadrado e pouco inspirado quanto um tio conservador. Miguel na hora de rezar diz para o Presidente que “sabe que ele tem que tomar conta da Venezuela“. Já Infante faz piada vinculando o Brasil à corrupção. Nas entrelinhas, o público-alvo acidental será agraciado em momentos como “brasileiro só faz m…“.

A direção de arte mistura uma estética sombria vinculada à Morte lésbica e o colorido dos momentos em que Rita está longo do… perigo. Tintas exageradas que trariam um frescor, como na sequência no posto de gasolina ocupado por fuscas de cores variadas. Gera até uma esperança de que o roteiro foi pensado para se passar em um período em que a naturalização da homofobia e da gordofobia (encaixada sempre que possível nas cenas com Salles) eram parte da graça do cinema comercial. Mas, as tecnologias impostas comprovam que o anacronismo é da porta para fora mesmo.

Para quem assiste até hoje “O Amor é Cego” (2001) às gargalhadas ou acha que desde Os Trapalhões tudo perdeu a graça porque atacar as minorias (para usar uma palavra também aposentada) é o maior barato, “Missão Cupido” deve soar como um clássico. Indicamos, inclusive, as reprises das duas primeiras edições do “Big Brother Brasil“, no catálogo do Canais Globo. Lá podemos testemunhar o quanto reproduzíamos preconceito há vinte anos, mas nossa memória afetiva se tornou incapaz de processar.

O que alguns não se dão conta é que o esquecível para você hoje, é o saudosismo das novas gerações amanhã. “Pelo menos se você fosse gay, teria bom gosto“. Tive dificuldades de lembrar se ouvi realmente esta fala em uma cena de filme lançado em 2021 ou se nas minhas revisitações aos guerreiros de Pedro Bial do início do século. Vale repetir: não estamos definindo as representações como um “defeito” de “Missão Cupido” e sim como uma característica.

Já temos prova de que não faltam espectadores que se encaixam bem na abordagem que a obra carrega. Uma turma que serve de incentivo para mantermos o máximo de isolamento social.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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