Mostra Preservação | Curtas | 16ª Cine OP
Tudo o que se Preserva
Recortes temáticos podem dar a falsa impressão de limitação de objeto – e os quatro curtas-metragens que fazem parte da Mostra Preservação da 16ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto comprovam que certas propostas servem para expandir horizontes e não enquadrá-los. Filmes das mais diferentes épocas e dos mais variados aspectos da sociedade brasileira se encontram, dialogam sobre as plurais maneiras de recuperação e resguardo de acervos.
O primeiro vem de uma conexão pessoal de um indivíduo. O “Acervo Djalma Corrêa” traz uma parte das filmagens do músico através da carreira e do Brasil que ele conheceu a partir de seu ofício. A convite do evento e com uma montagem especial para o festival, as falas do artista adicionam a sensação de uma curta masterclass sobre ritmo, resultado dos anos de pesquisa na área dentro do universo afro-brasileiro. Mais do que isso, a sessão da obra nos faz pensar sobre a criação de memórias que cada um de nós é capaz de fazer com os avanços tecnológicos.
Este tema retornará aqui na Apostila de Cinema com força ao tratarmos de uma sessão da mostra contemporânea em que “O Suposto Filme” surge de maneira bastante provocadora. Porém, vale mencionar a consciência de Djalma ao saber controlar o próprio discurso a partir das imagens e como elas se ressignificam até para ele enquanto agente passivo. Isto porque o olhar colocado sobre aquela realização vai carregado de objetivos – e nem todos farão parte das lembranças de seu criador. O que ficam são as imagens – e algumas delas deverão ser decifradas pelo seu próprio detentor.
Aliado ao depoimento, bonitos registros da cultura popular do país deste generoso, apaixonado e organizado cidadão de Ouro Preto que – de Ouro Preto para o mundo em edição online – nos presenteia com parte de seu acervo.
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Em 1993 o contexto do país era diferente, mas sob alguns aspectos parecidos com o momento em que vivemos. Neste cenário, o, à época, veterano cineasta Ozualdo Candeias, registrou o trabalho de um templo de resistência do cinema nacional em “Cinemateca Brasileira“. Ele não realizaria nenhum outro longa-metragem depois de “O Vigilante” (1992), vencedor do prêmio especial do júri do Festival de Brasília daquele ano. Portanto, esse olhar para o futuro do diretor tem um toque de apresentação final, mesmo com seu falecimento apenas em 2007 – e nesse pequeno texto de Eugênio Puppo, que dirigiu um documentário sobre Candeias, podemos denotar uma mistura de pessimismo e frustração na vida posterior às suas últimas realizações.
Com ares de apresentação, o país mudou sua relação com a cultura – e depois “desmudou”. A Cinemateca atualmente é vítima mais uma vez da desvalorização, desmonte e tentativa de destruição da história da arte brasileira. Para quem já esteve presente em acervos gigantes de espaços como este (pessoalmente cito a Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro), a sensação é de retorno a corredores mágicos, onde nosso amor parece, enfim, materializado.
Desde aquele tempo já se denotava uma preocupação com a conservação dos rolos e com a ocupação de espaços, providências que demandam um alto custo que – sem o auxílio do Estado se revela impossível. Nossa indústria não gerou mecenas bilionários, apesar da movimentação econômica e do volume de empregos criados – então nenhum Del Toro ou Scorsese será capaz de nos salvar. A solução passa pelo debate político e por acolhimentos das demandas pela sociedade. Por isso dói ouvir, ainda em 1993, que a Cinemateca Brasileira “reúne quase tudo o que sobrou” e imaginar que ela – neste momento – está abandonada.
Em relação aos elementos que a ação do tempo modificou, o início do controle digital, tão celebrado com computadores pessoais onde se poderia cadastrar os filmes, foi atropelado pela digitalização da própria produção audiovisual. Que, da mesma forma, depende de conservação – algo que é assunto dos debates desta 16ª CineOP. Em uma onda pessimista que envolveria, sem dúvida, o próprio Candeias, não há como imaginar este curta-metragem expositivo como um capítulo de um obituário. Corremos contra o tempo para que não seja.
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Há algo em “Marechal Rondon: Patrono das Comunicações” para além do passeio por imagens de arquivo. Realizado no contexto da ditadura militar, no auge da popularidade das salas de cinema no Brasil, esta produção de 1973 registra também um olhar mitológico sobre figuras nacionais, algo típico do nacionalismo populista pelo qual os agentes da época (e de agora) se valem.
Hoje este cinejornal, da maneira como foi montado, soa mais envelhecido enquanto forma do que o Arquivo Confidencial do Faustão ou a Semana do Presidente do Silvio Santos. As comparações vão para além do deboche, há, sim, uma conexão de linguagem desta peça que ainda soa mais como jornalística do que propagandística. Sem contar que é didática no ponto certo para um espectador com bem menos acesso à informação do que hoje.
O resultado é um produto ágil, dinâmico e enciclopédico. Positivista por interferência de Benjamin Constant, parte de uma expedição envolvendo o Presidente norte-americano Franklin Roosevelt (e que contamos há algumas semanas que será objeto de uma série da Conspiração Filmes, como nos revelou o cineasta Breno Silveira) e onipresente na vida política do país. A construção da imagem de um ídolo (romantizando suas últimas palavras) por uma época que, vejam só, só conseguiu criar este produto a partir de extensa pesquisa, imagens de arquivo e montagem exemplar porque – desde sempre – a conservação do patrimônio audiovisual se mostrou relevante.
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Encerrando os curtas-metragens da Mostra Preservação, “Revista da Tela Nº 177×74 (Cinejornal)” nos coloca no Rio de Janeiro de 1974, no momento de transição em que o Estado da Guanabara seria extinto com uma união quinze anos após a criação de Brasília e a transferência do Distrito Federal. Promessas de melhoria no sistema de fornecimento de água e saneamento na Baixada Fluminense e outras notas de imprensa que permanecem até hoje, encerrando a sessão deste recorte curatorial lembrando que há certas coisas que não mudam e nem todas as transformações políticas, sociais, culturais e territoriais são frutos de um fluxo natural da sociedade.
Assim como o Brasil é vendido por aqueles que o explora como “país do futuro”, o novo Estado do Rio de Janeiro assim é definido pela narração do cinejornal, mas há espaço para saudosismo e momentos de celebração. No principal deles, a inauguração da sala Cine-Arte da UFF (Universidade Federal Fluminense), fundamental para a formação audiovisual nas últimas décadas e base de grande parte de mestres, pesquisadores e curadores espalhados pelo país.
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Ficha Técnica da Mostra Preservação | Curtas | 16ª Cine OP
Acervo Djalma Corrêa (Cecília Mendonça, 2021, 21′)
Sinopse: Documentário sobre o Acervo Djalma Corrêa, com entrevistas com Djalma Corrêa e materiais de arquivo digitalizados.
Cinemateca Brasileira (Ozualdo R. Candeias, 1993, 13′)
Sinopse: Documentário sobre as atividades da Cinemateca Brasileira.
Marechal Rondon: Patrono das Comunicações (Acervo Arquivo Nacional, 1973, 13′)
Sinopse: Documentário biográfico sobre o Marechal Cândido Rondon, da infância em 1865, até seu falecimento em 1958. Destaca a sua atuação na implantação do sistema Telegráfico no interior do país e os primeiros contatos com tribos indígenas.
Revista da Tela Nº 177×74 (Cinejornal) (Acervo Arquivo Nacional, 1974, 8′)
Sinopse: Trechos de reportagens “Água para Duque de Caxias”, “Cine-Arte da UFF”, “Terminais de Praia Grande” e “Governador Visita Governador”.
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