Sinopse: “O que se passa numa imagem?”, o cinema nos pergunta muitas vezes. “O que se passa na pessoa que olha uma imagem?”, o faz menos frequentemente. “O que se passa na pessoa que vê sua própria imagem enquanto olha para uma imagem?”, quase nunca. Pois estas três perguntas compõem o quebra-cabeças que o documentarista Alexandrowicz propõe em “Na Cabine de Exibição” para sua personagem, mas também para si mesmo e, mais decisivamente, para nós. Nesse jogo de espelhos deformadores, se veem refletidas as relações de poder entre Israel e Palestina, mas também entre uma câmera e aquilo que ela filma; entre um filme e aquele que o assiste.
Direção: Ra’anan Alexandrowicz
Título Original: The Viewing Booth (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 11min
País: Israel | Estados Unidos
O Peso e a Medida da Imagem
“Na Cabine de Exibição” é daquelas produções que nos faz atravessar o tempo e o espaço mesmo se valendo de um cenário único, uma premissa simples e pouco tempo de duração. A impressão é que Ra’anan Alexandrowicz poderia fazer cortes de horas em um longa-metragem que, a partir de uma jovem judia norte-americana, nos faz refletir sobre os conflitos locais na Cisjordânia, conceito de povo, função da mídia e das novas tecnologias e a influência da construção social de família em nossos olhares e decisões.
Talvez vá muito mais além disso. Na maratona de quatro a cinco filmes por dia para conseguir assistir ao máximo de produções possível do 9º Olhar de Cinema, uma sessão com esta obra não seja o suficiente. O documentário convida alguns adolescentes a adentrar uma sala, o que de imediato nos remete à câmara escura que fazia as primeiras experiências com a imagem em movimento serem individuais. Deixa à disposição uma série de vídeos produzidos na região da Oriente Médio, sem influenciar nas escolhas. Há desde captações de populares a vídeos institucionais da B’Tselem, uma organização de direitos humanos pró-Israel.
Aos poucos, Alexandrowicz identifica na menina Maia Levy a protagonista de “Na Cabine de Exibição”. Não apenas pelo conhecimento prévio sobre o assunto, mas porque ela consegue enxergar além das representações que surgem na tela e que todos os seus colegas analisam superficialmente. Ela admite que, vindo de uma educação judia, já conhecia os vídeos da B’Tselem. Tem ciência de que na região da Cisjordânia, a neutralidade é algo quase impossível. Só que Maia está nos Estados Unidos, supostamente com amplo acesso à informação. Mesmo assim, ela não se desprende do senso comum familiar. É como se o questionamento da veracidade do que lhe foi dito por uma autoridade fosse um erro grave de caráter.
O que torna a menina tão interessante é ela não se esquivar dos debates, mesmo contrariando um ideal a ela pré-formatado e que entende conviver muito bem com ele. Maia não consegue acreditar, por exemplo, na espontaneidade de algumas das imagens. Julga tratar-se de flagrantes forçados de abusos cometidos pelas tropas israelenses, sob o argumento de que seria uma improvável coincidência estarem filmando “justamente naquele momento”. Neste ponto, o objeto do documentário dialoga muito com os conflitos internos do Brasil. Tratar graves violações aos direitos humanos como exceção – quando, na verdade, basta deixar uma câmera ligada por alguns minutos ou horas para adquirir esses flagrantes – é um mecanismo de defesa muito comum. Autoridades daqui também usam deste expediente: a desautorização da imagem.
Só que este elemento é muito poderoso. Maia está longe de ser uma articuladora política, mas identifica exatamente o peso de algumas delas ao “lado” que ela entende ser o seu. É muito mais receptiva às captações produzidas pelas tropas de Israel, mas identificamos que ela naturalmente começa a perceber o quanto uma blindagem ideológica poderia limitar seu olhar. E é aqui que “Na Cabine de Exibição” é ainda mais apaixonante. Usa uma das grandes polarizações do mundo atual – das mais difíceis de diálogo e mais violentas – para passar uma mensagem direta sobre a aplicação do pensamento crítico da imagem – além do que adapta-las às nossas crenças, como muitos acreditam ser o certo.
Isso não quer dizer que alguém que estude a imagem precise sentar no alto de uma pedra e olhar a todas as correntes políticas, sociais e econômicas como se estivesse acima – e de fora – de tudo isso. Mas ser um pouco a Maia, que analisa criticamente até a si mesma e porque você chegou àquele ponto. Nos primeiros momentos, ela surge como uma humanista, carregada de empatia – para, na sequência, deixar claro seu posicionamento. Isto a faz projetar uma realidade e ela acaba caindo no caminho de quem não quer ser contrariada pela realidade: passa a ver alguns daqueles vídeos como ficção, convicta de que está sendo manipulada para acreditar que é real. Só não se perde nessa visão porque, inteligentemente, compreende que isso é apenas uma escolha.
Por fim, ela é convidada um ano depois a repetir a experiência – com mais informações colhidas por puro interesse durante o período. Lamentamos que Ra’anan Alexandrowicz dedique pouco tempo a essa segunda empreitada, porque criaria uma relação triangular perfeita. A protagonista revê as imagens, se atenta a outros detalhes e – o mais importante – revê a si mesma, com posicionamentos que talvez ela não concorde mais. É irônico como, se tivéssemos que apontar algo que deixa a desejar em “Na Cabine de Exibição” é não seguir explorando. Querer que uma obra que já diz tanto nos provoque ainda mais é até injusto. É que poderíamos ficar muito mais tempo refletindo sobre o peso da imagem pelos olhos de Maia Levy.
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