No Táxi do Jack

No Táxi do Jack Crítica Filme Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: Com 63 anos e próximo da aposentadoria, Joaquim precisa preencher os requisitos exigidos pelo centro de emprego para usufruir de seus direitos trabalhistas. Apesar de saber que não voltará à vida ativa, ele visita inúmeras empresas para pedir atestados que provem sua procura por trabalho. Nessas viagens, Joaquim relembra a vida de imigrante nos Estados Unidos, onde trabalhou como taxista em Nova York.
Direção: Susana Nobre
Título Original: No Táxi do Jack (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 10min
País: Portugal

No Táxi do Jack Crítica Filme Imagem

Saudosa Hipótese

Presente na seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra SP, o longa-metragem português “No Táxi do Jack” conta a história de um homem, em vias de se aposentar, que se lembra do período de mais de vinte anos em que trabalhou nos Estados Unidos. O envelhecimento saudável como temática principal das obras audiovisuais é cada vez mais constante, como sempre lembramos nas críticas aqui da Apostila de Cinema. Uma representatividade que surgiu naturalmente desde que as dinâmicas sociais tornaram esses agentes mais presentes na sociedade.

Susana Nobre reflete o sistema de previdência social de Portugal, muito parecido com o brasileiro em sua base. Com idade mínima de 66 anos em 2020, Joaquim não parece tão próximo assim de receber do Estado o resultado de anos de contribuição e precisa comprovar que ainda está à procura de reposicionamento para os programas assim destinados. Todavia, o que importa no arco dramático é lembrar do passado difícil para esse país europeu. Se hoje nossa ex-metrópole transita entre governos mais ou menos progressistas, o Estado Novo de Salazar e de Marcello Caetano deixou um legado de caos e instabilidade política no país – como se observa em dois anos de lideranças provisórias após a Revolução dos Cravos.

Foi nesse contexto que o protagonista de “No Táxi do Jack” retornou da América, onde estava na intenção de aceitar qualquer trabalho possível para se manter em terras estrangeiras e fugir da perseguição ao cidadão da terra-natal. A cineasta faz transições de maneira que flertam com o onírico, somos carregados para dentro das memórias daquele senhor sem tirar do campo de visão o presente. Enquanto ele olha pelas janelas da Portugal democrática do século XXI, os sons do filme vai nos levando para os Estados Unidos de outros tempos. Até que a metalinguagem é parte do jogo, em que imaginamos ver Joaquim (ou Jack) dirigindo um táxi para mostrar que é apenas uma simulação no estilo do cinema tradicional.

Produtora de “Ama-San” (2016), de Adriana Varejão e “Campo” (2018), que participou da Mostra SP de 2019, Nobre flexiona duas possibilidades em sua obra. A primeira, de forma direta, nos apresenta uma comunidade que envelhece em sua base, ouvindo as histórias de quem participou – de alguma maneira – da redemocratização do país. Aqui vale traçar um paralelo com nossa realidade já que, afinal, essa luta não parece tão valorizada por gerações que se deparam com distanciamento histórico dos fatos. Talvez entendam o peso quando perderem de forma tão flagrante esse direito.

Todavia, “No Táxi do Jack” também permite imaginar que aquele senhor projeta uma realidade paralela em sua vida, na qual cria uma narrativa que lhe tira do ordinarismo de sua existência. Comum em quem faz releituras do passado e acredita que a simplicidade ou uma trajetória sem sobressaltos é menos legítima. Ou não quer lembrar que pecou por omissão, que não tentou algo diferente. Característica natural em sociedades e gerações traumatizadas por eventos como uma pesada ditadura, que só se manteve porque milhões de cidadãos, muitos por medo, não se levantam contra.

A metalinguagem dá margem para viajarmos mais na mente do que no táxi. O estilhaçamento temporal que nos desloca para Nova Iorque nos vinte minutos finais é mais um exemplo, assim como a pronúncia do personagem (quase no estilo Joel Santana) de se comunicar, pondo em dúvida ter passado duas décadas em conversas corriqueiras com milhares de pessoas que utilizaram seus serviços na América. Nas referências culturais, de “Amazing Grace” a “Unchained Melody”, a música que vinha do rádio parece fundamental para essa construção de sonho de dias melhores, dissolvendo espacialmente o foco da trama.

Em meio a tudo isso, aquele senhor deseja apenas os carimbos das empresas, comprovando que ele segue à procura de emprego. Manter seu auxílio e ter a paz de quem deu seus melhores anos para a sociedade em troca de uma velhice tranquila. Outro ponto que, cada vez mais, reside no plano do onírico. “No Táxi do Jack” é mais um longa-metragem português que apresenta, em sua narrativa, sons e texturas, um país em que a roda da renovação gira mais devagar do que a do envelhecimento. Seu audiovisual segue como caminho ouvir histórias do passado, mesmo que projetadas no campo do que “deveria ter sido”.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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