Sinopse: Realizado em 1955 sob encomenda do Comitê da História da Segunda Guerra Mundial, “Noite e Neblina” apresenta um perturbador registro dos locais em que até pouco tempo antes funcionavam os campos de concentração nazistas. Acompanhando as imagens do pós e da guerra, a narração de um texto do poeta francês Jean Cayrol, um sobrevivente.
Direção: Alain Resnais
Título Original: Nuit et brouillard (1956)
Gênero: Documentário
Duração: 32min
País: França
Jamais Esquecer
Já na parte final das primeiras décadas da carreira de cineasta, com uma produção focada em curtas-metragens documentais, o diretor francês Alain Resnais recebeu uma missão quando aceitou fazer parte do projeto liderado pelo Comitê da História da Segunda Guerra Mundial: registrar os horrores de um dos episódios mais bárbaros da história humana, o Holocausto da Segunda Guerra Mundial. Com roteiro de Jean Cayrol, sobrevivente do genocídio nazista e convencido a participar da produção por um jovem Chris Marker, à época colaborador de Resnais, “Noite e Neblina” é uma das obras mais importantes do cinema humanista e chega esta semana ao catálogo do Petra Belas Artes à La Carte.
Em outros textos na Apostila de Cinema costumamos levantar o questionamento sobre qual o momento certo para revistar algumas tragédias. Geralmente a ficção segue os caminhos pavimentados pela linguagem documental – o que, na era tecnológica e de fluidez de informações, ocorre quase de forma automática. Um conflito político ou uma guerra civil instaurados no mês passado chega às nossas telas filmado, montado e com todos os tratamentos na velocidade da luz. Só que nem sempre foi assim e a culpa não era apenas dos meios de produção de uma obra audiovisual. A ausência de imagens, principalmente as que chocam por serem cruelmente reais, tornavam os traumas mais intensos na sociedade. Ou seja, perdemos a capacidade de nos impressionar.
Pensando desta forma, a curta-metragem de Resnais é um marco. Assisti-lo 65 anos depois ainda nos choca, claro. Imagens de arquivos com corpos empilhados, restos mortais tratado pelos nazistas como dejetos a serem eliminados, perturbam nossa mente para além da incursão nos campos de concentração vazios, principalmente no terço final. Porém, antes de mergulhar nos impactos dessas representações, vale registrar que esse filme, por ser um dos primeiros a dar luz ao que de fato ocorreu com os seis milhões de judeus assassinados, segue para muitos como pedra fundamental de um imaginário sobre a tragédia. O diretor capta detalhes daquele território que, na produção audiovisual que a seguiu, se tornou base da linguagem de um gênero.
Sendo assim, “Noite e Neblina” une, na narração de Michel Bouquet, na captação de arquivos em preto e branco e na revisitação dos campos em filmagens coloridas, o que entendemos até hoje como o Holocausto. Uma marca cinematográfica. Tanto nos seus elementos quanto na sua arquitetura, pensada pelos nazistas de forma pragmática. A ideia, é sempre bom lembrar, era atingir o mais alto grau de crueldade. Explorar a força de trabalho, desnutri-los, separar famílias, levar todo o mal e sofrimento até que a vida virasse uma tortura sem fim. E, mesmo assim, tirar-lhe essa vida como uma surpresa inesperada, sem as honras de uma luta, na crueldade final de sufocar os grupos em câmaras de gás. Como citado no filme, a intenção era “exterminar produtivamente”.
Quando “Colette“, curta-metragem francês de 2020, dirigido por Anthony Giacchino, foi indicado ao Oscar 2021, parte de nossa crítica refletia sobre a necessidade e importância de obras como aquela seguirem sendo lançadas com forte reverberação. Passadas sete décadas da derrocada das tropas alemãs, alguns espaços construídos se tornaram parte de uma rede de turismo histórico, outro ponto polêmico da sociedade contemporânea. Há quem procure em uma visita a esses territórios uma reflexão sobre a própria existência e o que nos tornamos depois de tudo aquilo.
E há, claro, quem a misture com passeios, como se estivesse em um checklist de monumentos imperdíveis. Um cartão-postal, como o próprio narrador verbaliza. Somos a sociedade do espetáculo, portanto, é marcante a forma como a experiência que “Noite e Neblina” se ergue parece diametralmente oposta. De maneira direta, sem buscar atenuar nada, soa tão cruel quando a mensagem que deseja passar.
Uma memória que ultrapassa as chagas abertas do nazismo. O cineasta, mesmo trabalhando sob encomenda, quis ampliar a leitura como uma crítica à intervenção da França na Argélia. Ao trocar o vocábulo judeu por deportado, tratando qualquer genocídio motivado por xenofobia, Resnais acertou no alvo. Além de universalista, a obra se tornou atemporal. Se em 2021 podemos atualizar novamente tais reflexões, citando da Síria à Palestina, só nos resta torcer que, em algum futuro tão otimista quanto utópico, as percepções sobre esta atemporalidade virem também algo do passado.
Fato é que o documentário não foi exibido no Festival de Cannes por pressão do governo alemão. A prova de que o trauma da guerra não havia sido superado. Em um contexto de união diplomática e debate saudável entre os povos, que viam na Organização das Nações Unidas uma chance real de um mundo com menos conflitos, os organizadores do evento da Riviera Francesa cederam. Resiliente, Resnais lançaria por lá “Hiroshima, Meu Amor” três anos depois – e o resto na sua carreira também é História.
Seguimos, então, precisando ver e rever “Noite e Neblina“. A grande função social do cinema político no longo prazo: a produção de memória. A proximidade com centros urbanos comprovam que o Holocausto acontecia a olhos vistos da população – e o passo seguinte foi compreender como chegaram a isso. Em um tempo de trevas negacionista, há quem renegue os fatos – de regimes autoritários na América Latina ao genocídio do governo de Hitler. E já há também quem naturaliza tragédias. Poucos sobreviveram e poucos agora sobrevivem. O filme de Resnais não, este é eterno.
Veja o Trailer:
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Como funciona: Planos de assinatura com acesso a todos os filmes do catálogo em 2 dispositivos simultaneamente.
Valor assinatura mensal: R$ 9,90 | Valor assinatura anual: R$ 108,90.
Catálogo conta, até o momento, com mais de 400 obras – incluindo “Noite e Neblina“.