Sinopse: Em “Noites de Paris”, Élisabeth tem dois filhos jovens, e está passando pelo divórcio. No primeiro emprego, ela conhece Talulah e cria uma conexão materna, acolhendo a menina na família.
Direção: Mikhaël Hers
Título Original: Les Passagers de la Nuit (2022)
Gênero: Drama
Duração: 1h 51min
País: França
Doce Melancolia
Destaque do sábado no Festival do Rio dentro do serviço de streaming do Telecine, o drama francês “Noites de Paris” foi um dos destaques da mostra competitiva do Festival de Berlim de 2022. Um raro exemplo de longa-metragem que passará primeiro na edição especial da mostra para depois ganhar as salas de cinema – onde, provavelmente, encontrará um público cativo formado por quem gosta do audiovisual do Velho Continente. Dirigido por Mikhaël Hers, a história ambientada na última década da Guerra Fria traz um curioso contraste.
O prólogo nos ambienta de forma breve em 1981, no dia da eleição do primeiro Presidente socialista da França, François Mitterrand. Um período que se estendeu por catorze anos, foi importante desde a reabertura política até a criação da zona do Euro. Uma época em que os direitos humanos e à justiça social eram parte importante do debate. No filme, em meio ao que seria uma transformação do capitalismo selvagem à era do bem-estar social, uma família de classe média parece viver tempos melancólicos no bairro de Beaugrenelle, construído nos anos 1970 com o objetivo de alocá-los. No elenco liderado por Charlotte Gainsbourg, a atriz vive a matriarca Elizabeth Davies, que passa por um período importante de sua vida adulta no ano de 1984.
É aqui que “Noites de Paris” se estabelece. Neste ano, a protagonista tenta se reerguer de um conturbado divórcio enquanto vive a angústia do desemprego. Ela consegue dois trabalhos de meio período: um em uma biblioteca e outra na produção de um programa de rádio das madrugadas, no qual Vanda Dorval (Emmanuelle Béart) aconselha os ouvintes – inspirado em programa que o diretor ouvia em sua infância, o que aumenta a sensação da obra ser, em parte, autobiográfica. A revisão das leis trabalhistas pela ótica neoliberal e precarizante dos anos 1980, com fim de estabilidades para contrapor jornadas menores, acabou trazendo uma nova forma de exploração. Salários menores exigem a cumulação de funções.
Já os filhos adolescentes, Judith (Megan Northam) e Mathias (Quito Rayon Richter) ainda se comportam, naturalmente, como se tivessem toda a vida pela frente. Gainsbourg divide a posição de destaque com a jovem Noée Abita. Ela é Talulah, uma jovem que Beth acolhe em sua casa no mesmo período. A atriz já foi destaque no Festival do Rio do ano passado com o ótimo “Slalom – Até o Limite” (2020) e vem revelando uma maturidade que a colocará, sem dúvida, no radar dos grandes realizadores franceses nos próximos anos. Charlotte age como se distribuísse as cartas da narrativa. As sequências vão revelando aspectos de seu passado, como uma luta contra o câncer e o medo de não ser mãe após uma gravidez difícil.
Hers constrói uma obra que transporta a ausência de perspectiva e a melancolia da contemporaneidade para uma era imediatamente anterior. Dialoga com o espectador de hoje mostrando que certas angústias já ditavam os rumos do Ocidente há quarenta anos. Vende bem a ideia de que existe uma falência social que parece independer do grupo político e das personalidades que ocupam as cadeiras do poder. Mesmo assim, para os filhos de Elisabeth o voto ainda é um instrumento importante. E segue sendo, afinal de contas. Perder a esperança em relação à democracia pode ser a última pá de cal, como podemos observar no flerte com o autoritarismo de alguns países na última década.
Sem desprezar essas articulações civis, o longa-metragem nos lembra que cada família é um núcleo muito mais complexo do que aquilo que o circunda – apesar de sofrer influência dele. Em 1984, os Davies parecem viver um espiral de dificuldades. A mãe encontra na jovem Talulah certa identificação. Afinal, temos duas personagens que parecem sentir medo de consolidar suas conquistas – ou seus avanços. Tanto profissionais quanto sentimentais. A montagem quebra a narrativa com fotografias filmadas com uma câmera Bolex, para que a granulação transmita o efeito de deslocamento temporal – tirando parte do impacto da direção de arte.
Quando a história avança para 1988, bem perto da reunificação europeia, a garota parece perdida, enquanto Beth começa a sentir os impactos da Síndrome do Ninho Vazio. A desconfiança e a falta de perspectiva torna difícil o convencimento de que Judith e Mathias irão, de fato, voar. E as “Noites de Paris“, que já nos foram vendidas como um show de luzes, nos deixa presos na melancolia. Mesmo que o presente tortuoso quase nos deixe acreditar que existem tempos saudosos em algum lugar do passado.
Veja o Trailer: