Sinopse: O documentário revela a intimidade de vida e arte do casal Conceição e Orlando Senna, um romance que se confunde com a historia do seu tempo. Juntos eles participaram da construção do Cinema Novo, Cinema Marginal, da Escola de Cinema de Cuba, da retomada do cinema brasileiro. Uma história de amor entrelaçada com a cultura brasileira e latino-americana dos últimos 50 anos.
Direção: Jamille Fortunato e Lara Beck Belov
Título Original: O Amor Dentro da Câmera (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 24min
País: Brasil
Os Vários e Únicos Amores
Passado quase um ano e meio de isolamento social e de um movimento espontâneo do audiovisual que reflete o confinamento, os mais desavisados podem acreditar que “O Amor Dentro da Câmera” é um “filme de quarentena”. Apesar da finalização da obra ter se dado neste contexto, como lembrado no último Festival de Brasília quando Orlando Senna apresentou seu longa-metragem “Longe do Paraíso” (2020), a captação se deu antes, talvez interrompida pelo falecimento da atriz e cineasta Conceição Senna em maio de 2020. As diretoras Jamille Fortunato e Lara Beck Belov estreitam laços espaciais e afetivas em um dos filmes mais sentimentais e, ao mesmo tempo, mais urgentes da 16ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto.
Um apartamento vazio, com as vozes dos personagens ao fundo ocupa os primeiros minutos da sessão. A mulher canta – e se emociona pela onda de lembranças que seu próprio canto traz. Temos aqui uma obra de permanência, convencionando um ritmo como se nos colocássemos respeitosamente enquanto intrusos da rotina de um casal, que nos recebe de braços e mentes abertas. Um acolhimento familiar que cai bem e nos provê uma obra equilibrada na relação de uma biografia intimista. A estética de apartamento tem momento entrecortados em que relevantes produções do cinema brasileiro e imagens de arquivo do passado de Conceição e Orlando ganham forma. Há trechos em que Jamille e Lara também se colocam enquanto personagens, induzindo ainda mais esta carga afetiva.
“O Amor Dentro da Câmera” alcança com naturalidade seu objetivo de explorar para além da contribuição dos dois protagonistas para a cultura nacional e o audiovisual latino-americano. Uma temporada em Cuba fez de Orlando diretor da lendária Escuela Internacional de Cine Y TV de San Antonio de Los Baños quando de sua implementação nos anos 1980, em projeto capitaneado por Gabriel García Marquez a Fidel Castro – e dela uma popular apresentadora na TV do país, em parte por conta de seu portunhol. Na década seguinte, eles teriam uma temporada no México, onde ele foi professor.
A participação dos dois em “Iracema: Uma Transa Amazônica” (1975) tem um ar de inauguração de um olhar mais do que crítico, em busca por ser representativo, tal qual caracterizamos a nossa indústria atualmente – e ser este um dos pontos que nos faz apaixonados. Além de trazer a tona outro período em que a “boiada” passou com mais força e em nome do progresso iniciou-se um processo de destruição das riquezas naturais nunca estancado. A experiência política passa ao largo da obra. Foram quase cinco anos de Orlando na Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. Há um reflexo maior da atual situação da país e, claro, o casal se rege neste sentido pelo medo – e como todo trabalhador da área se questiona até que ponto vale a pena permanecer por aqui.
Selecionado para o projeto Rumos do Itaú Cultural, terá o poder de apresentar figuras históricas do nosso cinema para uma geração – que tem muito material para extrapolar a experiência do longa-metragem. Orlando segue na ativa, enquanto Conceição, perto do fim da vida, ampliou suas vivências enquanto revisora de memórias. Sua crítica com ar de flagra da câmera mostra que o eixo Sul-Sudeste do país, que até hoje concentra parte da produção, não dá boas oportunidades para profissionais do Norte e Nordeste. Quando eles refletem sobre seus vários ofícios, o filme nos oferece algumas provocações ainda mais interessantes, como a frase dele sobre “suprir esquecimentos com a imaginação” ou a ideia de que “para o amor estar dentro da câmera, ele precisa estar fora“. Simples, diretas e preciosas mensagens.
As confluências com o Cinema Novo e o Cinema Marginal permitem grandes momentos, não apenas nas imagens do passado – mas das falas do presente. Sobre o ideal valorativo acerca de “qualidade”, objeto de esgarçamento de ditos entendidos de outros tempos, ele lembra: “o que valia a pena era o fazer“. Mais do que esperar perfeccionismo ou virtuosismo, um país como um Brasil carece deste cinema instantâneo, que urge, que coloca o bloco na rua sem esperar ser Carnaval. Esta subversão do valorativo, tão refletida desde os anos 1960, parece até hoje incompreendida – e a cada nova Mostra de Cinema de Tiradentes, CineOP e outros festivais que selecionam destaques da produção contemporânea dividimos espaço com aqueles que desabonam o fazer artístico atual.
Todavia, Conceição e Orlando são muito mais do que isso. Saber que ela não está mais ao lado dele torna o documentário um pouco mais sofrido e melancólico – apesar da celebração de um amor que atravessa seis décadas ser a grande mensagem. A relação de dependência afetiva não é escondida, chega a ser verbalizada pelo casal, que consegue erguer lições a todo instante sem pretender. Tanto que os minutos finais de “O Amor Dentro da Câmera“, quando novamente as cineastas se colocam como personagens para a câmera, guarda uma pequena aula de Cinema e sobre a condução da realidade na produção daquelas memórias. Como se toda a vida e obra desses dois artistas já não fosse o suficiente.
Veja o Trailer:
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