Sinopse: Ana está cercada. No apartamento debaixo, os fantasmas do passado e no terraço, os fantasmas do futuro. Mas ela resiste.
Direção: Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola
Título Original: O Cerco (2020)
Gênero: Suspense
Duração: 1h 27min
País: Brasil
Pac Woman ou Obstinados Fantasmas
“O Cerco“, direção coletiva de Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola, apresentada na Mostra Aurora da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, começa com um casarão, curiosamente me lembrando um dos contos da escritora argentina Mariana Enriquez. Talvez se ela filmasse – e não sei se o faz – seus planos seriam assim. O som de chuva, os planos em preto e branco contrastados. Planos incomuns, às vezes, como fotos artísticas que parecem ser tiradas por algum stalker de Ana.
Seu discurso da professora pode soar como ameaça nos dias atuais: o Teatro como refúgio. Entre um casamento que terminou e o sonho de ver essa linguagem artística acessar mais espaços, Ana se encontra amaldiçoada pelos próprios medos. O casarão é como um daqueles labirintos de jogos antigos em fliperamas, a grande verdade, é que não há caminho que te leve para fora dele. Você gasta fichas e mais fichas até descobrir que terá que enfrentar os monstros ali dentro mesmo.
O medo da brincadeira das crianças, enquanto escutamos os helicópteros sobrevoarem Santa Teresa, é coisa que só pode ser completamente compreendida por um carioca. Nos preocupam, principalmente, as brincadeiras que envolvem roupas nos rostos.
Ana parece estar sendo observada verdadeiramente. Quem está seguindo quem? Para fugir do mito do Minotauro, utilizado por mim em recente artigo escrito com um colega e mestre, penso também nos outros mitos de perseguições gregos. Quase todos são perseguidos por algum motivo e terminam em tragédia. Como no Rio de Janeiro mesmo.
Em “O Cerco“, ao invés de se sentir acuada, Ana parece querer ignorar de onde partem os olhares enquanto as brincadeiras das crianças geram mais tensão. Não sabemos quais são as histórias narradas e quais são as vozes que as narram. No entanto, as brincadeiras revelam um passado tenebroso. O da Ditadura.
Quais são os acidentes que nos marcam durante a vida? E, quais deixam marcas mais profundas? Há algum vazio em nós que possa ser preenchido? A relação tensa entre Ana e seu ex-marido nos coloca diante desse dilema que vai para além de compartilhar a guarda de sua filha.
De alguma maneira, ele parece não entender as rachaduras de Ana. Porém, todos nós temos as nossas. Mais ou menos preenchidas, elas nos acompanham até que tenhamos que arrumá-las, ainda que seja com argamassa ou terapia.
Presa na casa e em suas memórias mal elaboradas, Ana sofre em silêncio. A atuação parece uma maneira de sair de si mesma. Foge também de qualquer interação mais próxima com as pessoas por mais que se mostre disposta a tentar se (re)aproximar. Talvez, por medo de perder aquilo que nunca teve na infância.
As fotos antigas e as vozes que soam como fantasmas, vão revelando a vida anterior de Ana e da casa. A vida no exílio é contada por trechos de amenidades, casualidades que poderiam ocorrer em qualquer local e situação. Mas não ocorrem. O que não pode ser visto, dito, investigado. Por muito tempo, assim foi. Foi?
As fotos são constantes na narrativa. Presentes fisicamente, elas trilham caminhos e passam por novas mãos. O presente reside ainda no passado. Assassinatos, violência, instabilidade política, sangue. Mobilização dispersa.
Mas, “cada um acredita no que quer acreditar”. Até no conto de fadas do Rio de Janeiro cartão-postal. Discurso tão datado quanto o da não existência da Ditadura, ainda defendida por muitos.
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