Sinopse: Ganhando a vida por meio da jardinagem e da agricultura nas terras que herdou do pai, Hasan tenta se livrar de um poste de energia elétrica que será instalado no meio de sua propriedade. Em “O Compromisso de Hasan”, a iminente peregrinação do protagonista até Meca o faz realizar um exame de consciência sobre o passado.
Direção: Semih Kaplanoğlu
Título Original: Bağlılık Hasan (2021)
Gênero: Drama
Duração: 2h 27min
País: Turquia
Círculo de Orgulho
Representante da Turquia na mostra Perspectiva Internacional da 45ª Mostra SP, “O Compromisso de Hasan” é dirigido, escrito e montado por Semih Kaplanoğlu e foi exibido na seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes deste ano. Um realizador que já venceu o Urso de Ouro na Berlinale em 2010 com “Um Doce Olhar” e é veterano de Mostra, onde já apresentou outras três produções, sendo a primeira “Ovo“, no ano de 2007.
Seu mais recente drama conta a história de um homem em busca de redenção baseada, em parte, na autoindulgência. Hasan é um trabalhador do campo, representante da agricultura familiar tão esmagada ao redor de todo o mundo. Como representação do poder do Estado, ele se vê com sentimento de impotência ao assistir alguns funcionários da companhia de energia elétrica ocupar parte de sua propriedade e começarem a medição para instalar um poste da rede transmissora. Questiona se não seria possível alterar por alguns metros o planejamento e realizar tal procedimento no terreno do vizinho, que ali possui terras improdutivas, porém, sem sucesso.
Ao mesmo tempo em que vê diante de tal questão, ele é contemplado com a viagem de seus sonhos, ao ser um dos selecionados para realizar a peregrinação até a Meca. A industrialização do campo e os resquícios de modernidade que ali penetram são parte do mote de “O Compromisso de Hasan“. Porém, o cineasta amplia as leituras e faz uma narrativa que consegue alinhar a jornada pessoal do protagonista com as questões da sociedade que o envolve. Ficamos dividindo a atenção de um homem preocupado com as consequências desastrosas da instalação do poste, que além de inviabilizar parte de sua agricultura multicultural de frutas e legumes, traz riscos aos animais que ele possui para manter sua sobrevivência.
Quando amplia o leque, o filme nos apresenta essa destruição como um processo. Afinal, tanto Hasan quanto seus vizinhos enfrentam, há alguns anos, dificuldades em vender boa parte de sua colheita. Um dos argumentos fica por conta do embargo da zona do Euro aos produtos, em virtude dos agrotóxicos utilizados pelas famílias. Proibidos na Europa, mas produzidos e comercializados pelos próprios países que embargam a importação.
Quando se desloca para o centro urbano na tentativa de solucionar o problema, o personagem enfrentará a famigerada burocracia. Empurra parte da questão utilizando seus contatos, mas a iminência da viagem de cunho religioso começa a tomar conta de sua mente. Dali em diante o longa-metragem acompanhará mais de perto uma outra busca, na qual Hasan retomará parte dos contatos que seu excesso de determinação e orgulho deixou pelo caminho.
A construção visual de Kaplanoğlu é uma das mais bonitas dentre as sessões da Mostra SP até agora. Ele explora, dentro do cenário limitado da propriedade do protagonista, a pluralidade de luzes e cores, com sequências em diferentes momentos do dia, múltiplas posições de câmera que tornam cada cena única em sua proposta imagética – sem tirar a unidade da obra. Para quem admira a composição e seu vínculo com as artes visuais, há momentos em “O Compromisso de Hasan” que parecemos estar diante de um quadro – e o diretor explora isso, ao limitar os movimentos por longos segundos.
Nada disso seria o suficiente, se não houvesse como fio condutor uma narrativa humanista – e é o que temos de sobra no longa-metragem. Cada nova atitude de Hasan nos apresenta uma nova leitura sobre aquele indivíduo, cheio de traumas e rusgas do passado, que justificam um pouco de sua impaciência, mas também parte de sua solidão. A forma como a segunda metade do filme equilibra essas pequenas revelações com um ritmo mais contemplativo e, podemos dizer, analítico, torna suas duas horas e meia bem mais rápidas do que boa parte das obras de pouco mais de sessenta minutos nessa maratona de festivais de outubro.
Na árvore que acaba se tornando vítima, a mensagem de que todo o progresso traz prejuízos é representada pelo voo onírico que faz ressuscitar o vegetal secular. É ele que dá espaço a um aparelho que não fará mais sentido no dia em que a Natureza decidir que nossa energia (ou nosso tempo) acabou. Porém, as preocupações mais urgentes e íntimas vão afastando o personagem dessa reflexão. Depois de espalhar feridas em sua comunidade e família por conta de sua intransigência, “O Compromisso de Hasan” mostra um homem que deseja a benção dos mortais – para se sentir mais seguro na missão de receber a benção divina e mentir para si mesmo que o seu círculo de orgulho chegou ao fim.
Veja o Trailer: