Sinopse: Em “O Corvo”, as almas gêmeas Eric Draven e Shelly Webster são brutalmente assassinadas quando os demônios de seu passado sombrio os alcançam. Atravessando os mundos dos vivos e dos mortos, Draven retorna em busca de vingança sangrenta contra os assassinos.
Direção: Rupert Sanders
Título Original: The Crow (2024)
Gênero: Fantasia | Horror | Romance | Ação
Duração: 1h 51min
País: EUA | Reino Unido | França | República Tcheca | Alemanha
Alma Atarantada
Um esperado fracasso de bilheteria de 2024, a nova adaptação de “O Corvo”, graphic novel de James O’Barr chegou no início deste ano ao catálogo do Telecine. Um projeto difícil, de produção conturbada, que tem a direção de Rupert Sanders. No filme, Bill Skarsgård é Eric, um jovem que se apaixona por Shelly (FKA twigs) em uma clínica de reabilitação. Diante de um segredo sombrio da amada, ambos acabam assassinados por asfixia por um grupo de criminosos. Já no mundo dos mortos, Eric jura vingança por Shelly e transforma sua passagem em uma narrativa de vingança.
O longa-metragem já entrou derrotado no circuito comercial. Poucos aceitaram uma nova leitura do material original, muito por conta da produção lançada em 1994 ter se tornado um jovem clássico cult. A morte de Brandon Lee, intérprete de Eric, no set de filmagens por conta de um tiro acidental, chocou Hollywood à época. Quase três décadas depois, a morte da diretoria de fotografia Halyna Hutchins no set de “Rust” (2024) mostrou que toda a discussão acerca da preocupação com a segurança dos profissionais do audiovisual não foi o suficiente para evitar novas tragédias.
A campanha negativa por “O Corvo” de 2024 ganhou um leque de adeptos. Os primeiros foram aqueles envolvidos no filme de 1994, principalmente o diretor Alex Proyas. Quase todos utilizando o mesmo discurso de desrespeito ao legado de Lee. No caso do realizador, suas investidas em redes sociais foram até um pouco agressivas, fazendo piada com os números fracos da semana de estreia. Talvez não tenha sido coincidência isso ocorrer exatos trinta anos após a chegada do corvo de Brandon às telas, aumentando a sensação de estarmos diante de um caça-níquel. Todavia, vale ressaltar que a produção demorou absurdos dezesseis anos, incluindo uma versão estrelada por Jason Momoa e que estava em avançada pré-produção quando ele pulou fora do barco.
A crítica também torceu o nariz para o longa-metragem de Sanders. Porém, na baixa expectativa que a distância entre o lançamento nas salas de cinema e uma tarde despretensiosa no streaming permite, não vi o desastre todo que pintaram.
A história começa com um pesadelo de Eric, que parece constante. Ele lembra da morte de um cavalo, não sabemos se como lembrança ou premonição. Fato é que sua vida mudará para sempre a partir da perda de alguém que ele ama. O protagonista se encontra em uma clínica de reabilitação, após ser internado em virtude de “comportamentos destrutivos”. Em paralelo, Shelly aparece fugindo de um grupo liderado por Roeg (Danny Huston) após ter um vídeo vazado no qual ela mata pessoas após um comando hipnótico do mesmo homem que agora a caça.
São muitos gêneros e muita narrativa que precisam ser articulados e representados em “O Corvo”. Temos não apenas a apresentação de personagens, mas o nascimento de uma relação, a evolução de um romance, a revelação do passado sombrio de ambos e o desejo de recomeço através do amor – até a morte. A adaptação da obra de O’Barr, apesar da linearidade e de trabalhar com fundamentos e mitologias conhecidas pelo público, se torna difícil pela aceleração necessária para que a morte do protagonista conclua o primeiro ato. Ali essa construção empática precisa ser efetivada. Vale destacar a forma marcante como FKA tiwgs se coloca em cena. Sua personagem praticamente não ocupará mais a tela, à exceção de alguns flashbacks, mas Shelly está sempre presente na narrativa de maneira convincente.
Quando Eric se estabelece no mundo dos mortos, sua alma não consegue descansar pelo sentimento de injustiça para com a jovem namorada. Guiado pelos corvos, ele retorna ao mundo dos vivos com o objetivo de destruir toda a rede de pessoas que fizeram mal à Shelly. Mais uma vez, o roteiro de Zach Baylin e William Josef Schneider precisa dar conta de uma nova fase da “existência” do protagonista, já que a conclusão de sua transição para o Corvo ocorrerá apenas no início do ato final. Aqui a dor o sangue ainda são reais.
Nesse momento, o filme se vale não apenas da estética ultra violenta, mas também de uma boa trilha sonora com canções de rock, de Foals a Joy Division. A montagem é dinâmica e a trajetória do personagem também nos envolve, começando pela investigação da morte de Shelly até Eric assumir que existe, de fato, uma missão que o colocou ali. É no último terço que a “versão corvinal” do protagonista se apresenta: clássico sobretudo, o sangue preto e a maquiagem que o identifica.
É nesse ponto que “O Corvo” ganha força e encontra seu melhor momento. A longa sequência no teatro, com a matança entrecortada pela dança contemporânea ao som de Enya, é bem executada. O filme aceita o exagero, mas dentro de uma lógica interna que agrada. A conclusão, infelizmente, incluiu na lista de detratores o próprio Bill Skarsgård. O ator não gostou do corte final, deixando em aberto a possibilidade de uma sequência. Ele queria algo mais definitivo e seu inconformismo era tão flagrante que precisou ser censurado, ficando proibido de dar sua opinião nas entrevistas de divulgação.
Estou com ele e gostava da ideia de que a vingança não necessariamente transforma o amor em ódio, mas de alguma maneira sempre nos corrompe – e é um alívio chegar ao final do processo e seguir a vida. Ou no caso de Eric, seguir a morte.
Veja o trailer: