O Diabo de Cada Dia

O Diabo de Cada Dia Netflix Pôster Crítica

Sinopse: “O Diabo de Cada Dia” mostra um lugar tomado por corrupção e violência, onde um jovem terá que enfrentar figuras sinistras para proteger quem mais ama.
Direção: Antonio Campos
Título Original: The Devil All The Time (2020)
Gênero: Drama | Thriller | Violência
Duração: 2h 18min
País: EUA

O Diabo de Cada Dia Netflix Imagem Crítica

Great American Repetition

Em 2020, a Apostila de Cinema poderia ter ousado menos. Na busca por um lugar ao sol, tomar o caminho óbvio dos streamings, em especial da Netflix. Obras populares, pelo simples fato de estarem acessíveis a milhões de pessoas que – quando viram – estavam pagando uma mensalidade para uma empresa ser produtora, exibidora e curadora dos filmes que devemos assistir. No início de 2021, para “tirar o prejuízo” de nossas maratonas pelos festivais online do Brasil, corremos atrás de alguns dos lançamentos mais alardeados da plataforma. A conclusão a qual chegamos foi a de que fizemos a escolha certa. Seríamos mais populares? Talvez. Mais infelizes? Sem dúvida. “O Diabo de Cada Dia” é um exemplo marcante nessa escolha entre o óbvio e o desafiador.

O longa-metragem dirigido por Antonio Campos (nova iorquino de nascença, guarde eventual pachequismo para a próxima) se forja em uma histórica tríade da sociedade dos Estados Unidos que até hoje se mantém. Por sinal, um tripé conservador hipócrita que muitos gostam de importar para o Brasil, com bases muito mais libertárias, mas que adora empilhar processos neocolonizantes. A trama, que transita entre as décadas de 1940 e 1950 nos apresenta uma comunidade marcada por: corrupção, violência e fé.

Com isso, “O Diabo de Cada Dia” encontra sua linha-mestra em Arvin (Michael Banks Repeta e Tom Holland), um jovem que desenvolve uma trajetória violenta, baseada na reprodução de atitudes daqueles que lhe cercam. Adaptação do livro de Donald Ray Pollock, “O Mal Nosso de Cada Dia“, a escolha de narrativa refletida montagem consiste em transitar por duas linhas temporais. Isso serve a alguns propósitos. Um deles é garantir a presença do astro contratado a peso de ouro e intérprete do Homem-Aranha em boa parte do filme. Outro é desenvolver os arcos do complexo leque de personagens de maneira a manter o nível de tensão e de violência alto a todo instante.

O próprio Pollock atua como narrador, em uma proposta de história que se assemelha tanto com o método Scorsese de usar essa ferramenta de linguagem para elucidar alguns pontos quanto uma edição em carrossel, tal qual “Sin City” (2005) e “Pulp Fiction” (1994). Porém, grande parte das tramas seguem em paralelo, ao contrário do envolvimento inebriante de todos os exemplos citados. O resultado final é mais próximo da anarquia performática que virou a refilmagem de “A Grande Ilusão” (2006), estrelada por Sean Penn – que se perde a ponto de se tornar quase ininteligível.

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Quando adentramos no objeto da obra, “O Diabo de Cada Dia” soa repetitivo. Pelo excesso de manifestações em cena, tem um ar de “great american novel“, aqueles dramas robustos que os estadunidenses adoram ler e depois adaptar nos cinemas. Por vezes, conseguem com uma eficiência que torna o filme tão clássico quanto o livro, como foi em “A Caldeira do Diabo” (1957), que dá vida à excelente publicação de Grace Metalious. Vale dizer que as escolhas de montagem ou de formas de narrativas serem “fiéis” ao texto de Pollock pouco importa se isso não funciona enquanto produto audiovisual. Esse passa longe da classe do longa-metragem dirigido por Mark Robson (e ainda mais das grandes histórias transportadas por Douglas Sirk na mesma época)

Arvin como condutor da trama não gera o resultado esperado porque, perdida em inúmeras sequências que não contribuem para seu desenvolvimento, a carga dramática final soa apenas mais uma cena de grande violência tal qual as outras. Ao contrário do já citado “Sin City”, que espalha protagonismos e se apresenta enquanto antologia até o final, aqui vende-se proposta parecida para descambar em um clímax de um protagonista que não se destaca. Ao não se destacar, não arrebata o espectador com seu clímax que quer ter a magnitude de “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007) e “Os Infiltrados” (2006) e se torna apenas um final feliz – para quem está assistindo, já que se despede de duas horas e meia de estereótipos genéricos do cidadão norte-americano.

Por fim, há que se lamentar o desperdício de talento de Robert Pattinson aqui. O Reverendo Preston Teagardin se destaca não somente pelo trabalho dele. Há uma construção de personagem, até mesmo para se valer como o antagonista de Arvin, que não se deixa desenvolver porque ele pisca em flashes durante todo o filme. Lembra um pouco o Pastor Eli Sunday que Paul Dano fez em “Sangue Negro” (2007) e só não tira essa sensação porque o pouco tempo de tela não deixa o ator explorar com mais originalidade tal figura.

O início de “O Diabo de Cada Dia“, em que Willard (Bill Skarsgård), pai de Arvin, é apresentado como um futuro traumatizado de guerra que mata um colega por misericórdia, parecia revelar uma grande obra da Netflix. Mesmo com a narração exagerada e com a retomada de temas exaustivamente tratados na cinematografia dos Estados Unidos, era possível Antonio Campos entregar grandes cenas e tinha um elenco capaz de pautar o longa-metragem em interpretações inesquecíveis. Porém, ao não se decidir entre ser episódico ou entrecruzar tramas, ficamos com uma bagunça pouco aproveitável e figuras que – se foram pensadas em bizarrices para nos provocar – deixaram um rastro pouco marcante nas nossas cabeças.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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