Sinopse: Em “O Labirinto”, a adolescente Samantha é raptada a caminho da escola. Quinze anos depois, ela está no hospital, em estado de choque, com o Dr. Green ao seu lado. Juntos, eles resgatam as memórias de Samantha no labirinto, uma prisão subterrânea, aparentemente sem saída, em que alguém forçou a jovem a jogar e resolver enigmas, recompensando seus sucessos e punindo seus fracassos. Também ansioso para resolver o mistério está Bruno Genko, um investigador particular de talento excepcional. Ele não tem muito mais tempo de vida e, por isso, o caso de Samantha é o seu maior desafio.
Direção: Donato Carrisi
Título Original: L´uomo del Labirinto (2020)
Gênero: Terror | Suspense
Duração: 2h 10min
País: Itália
Não Tão Óbvio
Adaptando uma de suas mais bem-sucedidas obras literárias, Donato Carrisi dirige seu segundo longa-metragem em “O Labirinto“, que estreia no próximo dia 12 nas salas de cinema brasileiras. Contando com a contribuição no elenco dos veteranos Dustin Hoffman e Toni Servillo, o cineasta nos leva a uma extensa viagem de suspense, com toques do terror contemporâneo, em uma narrativa labiríntica que deve trazer um pouco de cansaço aos espectadores com suas relações impacientes e ansiosas com o audiovisual atual. O que ele busca aqui é desenvolver, de uma maneira convincente, uma premissa que é um convite à obviedade – mostrando que nem sempre esse aspecto soa como algo negativo.
A montagem paralela nos leva a duas linhas espaciais – e, por que não poderia ser? – temporais. Na primeiro, o Doutor Green (Hoffman) se apresenta a Samantha (Valentina Bellè), jovem em um leito de hospital se recuperando de uma amnésia pós-traumática. Sendo dúbio em sua relação enquanto psicólogo ou investigador (oficial ou oficioso), ele começa a questioná-la em uma espécie de depoimento misturado com regressão. O público tem em comum a mesma ausência de informações da própria personagem, que descobre ter sido encontrada após um sequestro que durou quinze anos.
Já Servillo é Bruno Genko, este sim um manifesto investigador particular. Ele acaba de vencer as projeções acerca de sua morte, já que o médico lhe deu dois meses de vida – período este já ultrapassado. Sob sua responsabilidade, ele é contratado para empreender busca ao responsável pelo sequestro. Usando como base os círculos do inferno de Dante, o escritor e diretor promove um bom entrelaçamento entre as construções de imagens possíveis e as lacunas que nos permite projetar as próprias leituras. Dono de um método que traz a Criminologia como base de suas tramas, tal qual Sidney Sheldon, dentre outros vinculados à literatura norte-americana, obteve aqui no Brasil sucesso com “O Aliciador“.
Passar mais da metade da vida em cárcere privado é algo instigante. Uma crueldade quase sempre alinhada a uma Síndrome de Estocolmo. Além de “O Labirinto”, outras obras literárias (que se transformam em filmes) deram conta do assunto, como “O Quarto de Jack” (2015). As percepções de Sam soam confusas, algo que Carrisi reflete nas representações das imagens. Paredes que mudam de cor, um cubo intrigante, entre elementos que aproximam a situação por ela vivida a um reboot de “Jogos Mortais” (2004). Já Genko vai se embrenhando na realidade que envolve o sumiço de pessoas. Conhece o Limbo, uma ala da polícia que concentraria esses casos, chamado de Escritório dos Desaparecidos.
Em um longa-metragem que usa muito o expediente de “nada é aquilo que parece”, as reviravoltas são sutis, vagarosas e encaixadas de maneira proposital para trazer ainda mais confusão. Quando desistimos de clarificar tudo, percebemos que também estamos dentro de um labirinto – e que não necessariamente seja vinculado ao real. No caminho, há interessantes propostas que envolvem o mundo de criminosos desta natureza. Bruno, em determinado momento, parece disposto a perseguir com mais afinco as motivações – as priorizando em relação à autoria. Com isso, desde a reprodução de uma maldade feita ao sequestrador quando mais jovem, até uma busca pelo resgate da infância enquanto espaço de inocência – incluindo nos supostos jogos coelhos e unicórnios – são abarcadas.
Com abordagens que se cruzam, não obrigatoriamente de maneira proveitosa, tudo contribui para trazer a sensação de que estamos diante de duas linhas de investigação. Na segunda metade de “O Labirinto”, a perspectiva humanizada de Green perde força e sua comunicação soa mais agressiva. Observamos uma oitiva de Sam menos condescendente e mais dura. A ponto de deixar dúvidas sobre as intenções da mulher a até mesmo sua condição de vítima. As sequências que alternam o inglês e o italiano se tornam parte desta amplitude interpretativa – não apenas no onírico, mas também no imaginado. Não devemos nunca esquecer que estamos diante de uma história contada por um criador de histórias, que leva às telas sua própria criação.
Contudo, a estética pode acabar se tornando mais um obstáculo às dificuldades impostas pela narrativa perturbadora. O excesso de filtros para simular o impacto de um cativeiro sem a luz natural deixa tudo com um ar alaranjado. De forma excessiva, algumas sequências dão mais a sensação de que estamos em uma boate mesmo – o que, pensando de trás para frente, quando o mistério se revela, não soa de todo o mal. Porém, é potencialmente estafante para alguns. Ao mesmo tempo não há como negar a forma hipnótica com a qual ela permanece em nossas mentes.
Já Sam, se pensada como personagem única, pode ser lida como alguém inserida em um relacionamento o qual não enxerga os danos causados. Todo o estranhamento, até na sua leitura enquanto espectador, é bem-vindo aqui. Donato Carrisi transporta bem uma obra literária, deixando-a bem aberta, tornando a óbvia linha de chegada mais “divertida” (na ausência de uma palavra melhor). Todavia, é provável que receba duras críticas de um público que se deixará afetar pelas diversas formas de escuridão de “O Labirinto“. Para os impacientes e ansiosos (que percorrem suas madrugadas no catálogo da Netflix), o curandeirismo pós-moderno das explicações reducionistas talvez seja o suficiente.
Veja o Trailer: