O Mauritano

O Mauritano Filme Crítica Pôster

Sinopse: Em “O Mauritano”, Mohamedou Ould Slahi é capturado pelo governo americano e jogado na prisão sem acusação oficial ou julgamento. Ele encontra aliança na advogada de defesa Nancy Hollander e sua assistente Teri Duncan. Juntos, eles enfrentam diversos obstáculos numa desesperada luta por justiça. Com a ajuda do promotor militar Ten. Stuart Couch, eles acabam descobrindo uma conspiração chocante e maior do que eles imaginavam.
Direção: Kevin Macdonald
Título Original: The Mauritanian (2021)
Gênero: Drama | Thriller
Duração: 2h 7min
País: Reino Unido | EUA

O Mauritano Filme Crítica Imagem

Humanos Direitos

A temporada de premiações de 2021 tinha em “O Mauritano” um dos possíveis indicados ao Oscar em importantes categorias. A presença de astros no elenco, como Jodie Foster e Benedict Cumberbatch, a liderança da direção de Kevin Macdonald (do bem recebido “O Último Rei da Escócia“, de 2006 – e vencedor do prêmio de melhor documentário pela Academia em 2000, com “Munique, 1972: Um Dia em Setembro“) e a carga política bem construída em um thriller sobre um homem em busca de justiça e respeito aos seus direitos fundamentais.

Contudo, a perda de sua força se justifica, quando nos deparamos com a obra, que chegará ao espectador brasileiro pelo Telecine na próxima semana, dentro da programação do Festival do Rio 2021. O longa-metragem vai nas estranhas de uma das situações mais vexatórias e pouco esclarecidas das últimas décadas, envolvendo os sucessivos governos dos Estados Unidos – de Bush a Biden, passando por Obama e Trump.

Enquanto a agenda democrata encontra defensores na indústria, qualquer conteúdo que relativize essa polarização não encontra o mesmo amparo. Este é o pano de fundo, de certa maneira, do filme protagonizado por Tahar Rahim, francês com descendência argelina. Ele é Mohamadeou Slahi, nativa da Mauritânia, no norte da África, que ainda jovem ganhou uma bolsa de estudos na Alemanha, onde passou a residir. A primeira leitura de Macdonald do protagonista é um pouco caricata, de um homem que passou a não temer mais nada em uma sequência em que ele conversa com suas advogadas até um pouco exagerada, mas dali em diante há um equilíbrio na sua construção dramática.

Na busca por encontrar o maior número possível de culpados pelos atentados de 11 de Setembro de 2001, os bastidores da Guerra ao Terror da administração de George W. Bush o levou ao seu nome. Um vínculo obscuro, que parte de seu treinamento pela Al-Qaeda em um período onde a América – na figura do pai de Bush, Presidente no início dos anos 90 – era vista como aliada, uma consequência da política armamentista da Guerra do Golfo, que tinha em Saddam Hussein um parceiro estadunidense, fase da História que perpassa a formação da personalidade do protagonista de “O Mauritano”.

Ignorando atitudes pretéritas e tornando vinculações pessoais como parte da rede terrorista, Slahi foi um dos centenas de detidos na Base Militar de Guantánamo em Cuba, onde os Estados Unidos mantém um presídio em que boa parte dos residentes não possui acusação formal. Lá ele receberá a visita de Nancy (Jodie Foster) e Teri (Shailene Woodley), advogadas que optam por praticar, dentro da luta pelos direitos humanos, a chamada advocacia pro bono (quando um grande escritório assume casos de forma gratuita como uma contraprestação à sociedade).

A participação da veterana atriz, homenageada esta semana na edição do Festival de Cannes, consolida seu olhar crítico de uma Hollywood que pode ir além dos questionamentos sobre as atitudes dos governos republicanos. Porém, as leituras possíveis do audiovisual comercial do país esbarram na ótica “apenas” humanista, sendo bem esvaziada no viés denuncista, tal qual as dezenas de livros de John Grisham – que, aliás, o personagem de Benedict Cumberbatch encontra como disponível para leitura em Guantánamo.

Parte desta abordagem tira um pouco a força de “O Mauritano“, mas não o suficiente para que sua mensagem não seja concretizada por suas representações. Claro que uma história feita por e para norte-americanos e britânicos (o território de produção é o Reino Unido, em parceria com os Estados Unidos), focará nas personalidades mais próximas de seu público-alvo. Sendo assim, boa parte da narrativa tem um foco na busca de Nancy e Teri por documentos que esclareçam a real situação de Slahi. Uma missão da advocacia que as levará a um dilema ético e à culpabilização de seus atos pela sociedade.

Vivíamos um período em que o Ocidente não negociava com a ideia de que havia um inimigo em comum no planeta, na figura de terroristas – e que deveríamos buscar e exterminar qualquer um que fazia parte das células distribuídas pelas nações. A imagem das advogadas como defensoras de prerrogativas, buscando acusação justa e devido processo legal soa como um crime contra a segurança nacional. Qualquer semelhança com os “críticos dos Direitos Humanos” no Brasil não é mera coincidência.

Algo parecido é experimentado por Stuart (Benedict Cumberbatch), militar escolhido para liderar a busca de meios de acusar e condenar Slahi. Com um vínculo afetivo com os atentados, eis que perdeu um amigo pessoal e de trabalho em um dos aviões, sua ideia fixa vai perdendo o status de consolidada quando ele vê que o sistema foi criado para somente punir.

O “Diário de Guantánamo” publicado pelo verdadeiro Mohamedou Ould Slahi foi parte importante nas denúncias de que a base militar é mais um centro de torturas, onde falsas confissões são obtidas, do que uma prisão temporária. Uma agressão aos direitos humanos sob a desculpa de Guerra ao Terror, a jabuticaba que o Exército e a política externa dos Estados Unidos criou em seu território – na verdade, na dos outros.

É compreensível que “O Mauritano” seja encarada como um vespeiro. O olhar crítico de Hollywood costuma ser mais eficiente quando acobertado pela manta do distanciamento histórico, o que não acontece aqui. Dar nome aos bois do gado extremista da América em um ótimo thriller, bem delineado e que une suas pontas sem apelar para a estética de filme de ação, garantiu a “O Mauritano” cinco indicações ao BAFTA, concedido pela Academia Britânica – e um troféu de atriz coadjuvante para Jodie Foster no Globo de Ouro.

Ainda um delicado assunto político, o longa-metragem deslegitima parte da caça cega aos culpados pela ameaça à soberania da nação mais poderosa do planeta. Seu terço final, que antecede a falsa confissão de Slahi com representações de uma perturbadora viagem de sua mente a partir da tortura dos Exército, não ajuda na estratégica visão de vender a América como um templo do Estado Democrático de Direito.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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