O Quinto Set

O Quinto Set Filme Netflix Critica Poster

Sinopse: Em “O Quinto Set”, um tenista que caiu no ranking volta ao Aberto da França para provar a todos – inclusive a ele mesmo – que sua carreira ainda não acabou.
Direção: Quentin Reynaud
Título Original: 5ème Set (2021)
Gênero: Drama | Esporte
Duração: 1h 45min
País: França

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Em Busca da Derrota

O tênis, a despeito de ser um esporte culturalmente elitista, nos reserva algumas lições. Aliás, como todas as práticas desta natureza, com pequenas lições sobre indivíduos e grupos a cada evento. A cada game, set ou match. A produção francesa que chegou na última semana à Netflix, “O Quinto Set“, dirigida por Quentin Reynaud, é uma delas – e toca direto no que de melhor o ofício de Gustavo Kuerten pode nos ensinar.

Isso porque o tênis é uma modalidade em que vários ciclos se empilham em um círculo maior, o da carreira. Todo confronto dividido em sets carrega consigo a possibilidade de recomeços, mas nele é algo ampliado. Cada game possui uma história e toda vez que um novo tem início, você pode reescrever sua vida – do zero. O roteiro do próprio Reynaud nos leva de volta ao ano de 2001, ano em que Guga atingia o que os brasileiros entendiam ser impossível: o tricampeonato em Roland Garros. Nele, o jogador fictício Thomas Edison (Alex Lutz que, apesar de representar um francês, traz uma estética até parecida com o catarinense) cai na semifinal para o vice-campeão Alex Coretja.

Basta uma pesquisa rápida para entender um pouco das inspirações do filme. Quem saiu derrotado na vida real naquele dia foi Sebastien Grosjean. Na época com com 23 anos, as comparações terminam aqui. Enquanto que “O Quinto Set” mostrará os ataques da imprensa apaixonada, que cria seus ídolos em formação para atirá-los aos leões no primeiro erro, a carreira do francês seguiu relativamente bem nos anos seguintes, quando conquistou cinco títulos e chegou perto do top 50. Em Wimbledon ainda teria mais duas semifinais de Grand Slam no currículo. Para mim, seria inesquecível uma longa partida pela Copa Davis em 1999 (com direito a choro de dor de Guga em quase cinco horas de confronto), quando passei a acompanhar Grosjean.

Outras referências da narrativa são mais explícitas, como o feito do croata Goran Ivanišević, campeão em 2001 na grama londrina após chegar à chave principal por convite – citado de forma expressa no texto do filme. Todavia, é na contemporaneidade que Edison nos é apresentado. Dando aula de tênis aos mais jovens, iniciando um novo sonho como treinador (caso descubra algum talento), ele assiste na TV um outro francês com potencial para ser multicampeão e agradar a uma nação que tem nas suas raízes culturais modernas esse esporte. Com uma série de lesões que o impediram de atingir alto rendimento, Thomas tem um dilema: nunca teve uma vida antes do tênis e não imagina um futuro fora dele.

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O cineasta parece um apaixonado pela atividade que faz o filme que sempre quis em “O Quinto Set“, apesar da origem do roteiro ser uma descoberta do produtor Léonard Glowinski das chamadas black lists de produções fracassadas. Conta a história demonstrando conhecimento e controle sobre as representações, prima pela fidelidade dos movimentos – o que tornam as cenas das partidas bem interessantes. Lutz constrói bem o protagonista em seu arco dramático, com o apoio de Ana Girardot como sua esposa Eve, que teve que abandonar seus sonhos bem antes do marido como reflexo da misoginia que a fez escolher entre ser mãe ou ter uma carreira. Ainda tem o auxílio de luxo de Kristin Scott Thomas como a mãe Judith, que olha com frustração o suposto fracasso do filho.

A obra nos leva a esse espaço mesmo de desalento de representantes de uma geração que não conseguem materializar suas pretensões e nem responder aos anseios dos outros sob ele. Thomas carrega consigo uma angústia, muito bem trabalhada no filme. Já Damien (Jürgen Briand), fazendo as vezes do atleta “do momento” se ergue como um antagonista de ocasião, outro ponto que atravessa as narrativas envolvendo o esporte, em que a regra é termos do outro lado da disputa um adversário e não um inimigo. As representações criadas por Raynaud podem parecer didáticas, mas são muito eficientes.

A abordagem inicial é um exemplo. Informações que surgem pelas marcas de cirurgia no joelho em contraste à atitude profissional do personagem. O espectador tem um choque de realidade quando o vê, todo paramentado com a grande mochila de um jogo profissional, dentro de um vagão de metrô parisiense. As notícias pela TV contrastam com os diálogos e vemos que Edison já foi e agora Damien é “a esperança da França” na cobertura midiática ufanista, tão danosa às vezes. A promessa não consolidada que leva ao ostracismo.

Quando se sente confortável para consolidar a trama esportiva principal – que coloca o protagonista na lista dos 128 postulantes a uma vaga na chave principal de Roland Garros, a segunda metade de “O Quinto Set” foca no drama familiar. Desenvolve a relação dele com Eve, que entende que o marido é reflexo de cobranças por profissionalismo desde a infância (que aparecem em pequenos flashbacks) e age como uma incentivadora, apesar das próprias frustrações.

Claro que o final reservará espaço para o tênis e suas possibilidades de emoção, com direito ao embate geracional que todos esperávamos. Porém, quando chegamos ali, o resultado final de um jogo parece não importar tanto. Afinal de contas, todos sairão derrotados.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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