Sinopse: Em “O Sequestro de Daniel Rye”, um jovem fotógrafo dinamarquês viaja para a Síria a fim de documentar a crise de refugiados no país, em 2013. Logo após a sua chegada, ele é sequestrado pelo Estado Islâmico e mantido refém junto de outros cidadãos estrangeiros, entre eles, o americano James Foley.
Direção: Niels Arden Oplev e Anders W. Berthelsen
Título Original: Ser du månen, Daniel (2019)
Gênero: Drama
Duração: 2h 18min
País: Dinamarca | Noruega | Suécia
O Estado Não-Garantidor
“O Sequestro de Daniel Rye” chegou esta semanas às plataformas digitais de locação com um pano de fundo fundamental para compreender as tensões de guerra alimentada por um Ocidente que insiste em tratar todas as crises envolvendo sociedades diferentes das suas de “Guerra ao Terror”. A transposição da história real de um fotógrafo dinamarquês, que vai à Síria sem qualquer vínculo político e acaba virando refém do Estado Islâmico e suas demandas (ok, inquestionavelmente) terroristas, fomenta um debate sobre a figura do Estado como agente garantidor de seu povo. Isto porque a trama, dirigida por Niels Arden Oplev e Anders W. Berthelsen encontra três caminhos: o da vítima, o de sua família e o das autoridades europeias que (deveriam) agir sem medir esforços para salvá-lo.
Enquanto filme, a obra possui linguagem e estética parecida com as produções pasteurizadas norte-americanas. Algo entre um bom episódio de “24 Horas” (2001-2010) ou “Homeland” (2011-2020) com um pouco da carga dramática de leituras como “O Relutante Fundamentalista” (2012) de Mira Nair. Ao se colocar em uma historiografia que traz as dinâmicas do Oriente Médio como mote, não encontra dificuldades para prender o espectador interessado no tema e nas formas de representação. Baseado no livro da jornalista Puk Damsgård, a fonte primária tem um grande peso na sociedade dinamarquesa. Sua autora se especializou no mundo árabe e viveu no Paquistão e depois na Síria por alguns anos – onde testemunhou o avanço do tráfico de drogas na região.
A reportagem original foi vencedora de diversos prêmios de órgãos vinculados à liberdade de expressão e deu luz a uma história que registra a força do Estado Islâmico naquele território. Parte de um olhar estrangeiro um pouco parecido com aquele que desenvolvemos em nossa crítica do documentário “9 Dias em Raqqa” (2020). O apelo pela figura do protagonista e as pessoas envolvidas (Oplev dirigiu, dentre outros, “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” de 2009, por exemplo) garantiu quinze indicações ao Danish Film Awards, com quatro prêmios, incluindo de escolha popular. Com imagens nas cidades de Hedegård (Dinamarca), Mogadíscio (Somália) até chegar a Aleppo e Raqqa, o ato inaugural é mais contextualizante, parecendo nos levar por uma trajetória panorâmica do protagonista.
Contudo, “O Sequestro de Daniel Rye” ganhou outro caminho a partir de sua captura. Mantém a trilha sonora e a fotografia estilizada e os diálogos com thrillers sobre a caça ao inimigo. Porém, ganha contornos de drama, em parte porque o Estado limita sua atuação no caso. Uma forma inteligente de sair do antagonismo clássico do Estado Islâmico e sua ideologia e trazer o Ministério das Relações Exteriores dinamarquês como parta, também, do problema. Um poder institucionalizado que, alinhado às nações ricas do Ocidente, tem como política não negociar com terroristas. Porém, trata o incidente como uma questão nacional e deixa a família quase como agente passivo.
No caso expresso pelo longa-metragem, o resultado é um longo processo, envolvendo torturas e simulações da base de Guantánamo, mantida pelos Estados Unidos. Ao usar o jornalista James Foley como paradigma da espetacularização do caos promovido pelo EI, a consolidação deste poder paralelo se tornou algo sem precedentes. Os cineastas, então, promovem uma obra que consegue ser perturbadora até o final, mesmo para aqueles que conhecem o real destino de cada personagem. Até por isso, ao abrir questão sobre os limites e responsabilidades de cada Estado, o filme ganha força.
Berthelsen, também ator no longa-metragem, pode ser capaz de trazer um viés mais dramático à forma como Oplev opera em suas produções. Isto torna a transposição dos escritos de Damsgård algo diferente, porém mantendo o aspecto denunciante da sua criação. Além disso, ao mostrar uma visão crítica e proativa de sua família, consegue fazer de “O Sequestro de Daniel Rye” também uma lição de humanidade e afeto, no meio de tanto pragmatismo que torna a guerra mais uma desculpa para entender o cidadão como um ser descartável tal qual peça em um tabuleiro.
Veja o Trailer: