Oráculo

Oráculo Filme Melissa Dullius e Gustavo Jahn Mostra Tiradentes Crítica Pôster

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Sinopse: Os espaços são seis: um rochedo, uma montanha, a areia desenhada pelas ondas, o quebra-mar de uma praia do outro lado do oceano, a passarela sob uma ponte que liga uma ilha ao continente, o quarto de uma adolescente. Personagens são três: um homem que está preso num ciclo de vida e morte, um segundo que revisita um lugar onde uma transformação irreversível aconteceu, e uma jovem que está iniciando sua vida de artista. “Oráculo” situa-se entre experimento, método e dispositivo, e convida à contemplação. Particular em sua forma e ritmo, é universal nas lembranças que faz ecoar, comuns a todas as pessoas: família; começos, fins e recomeços; dores e traumas, e desejo intenso de vida e de sentido.
Direção: Melissa Dullius e Gustavo Jahn
Título Original: Oráculo (2020)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 1min
País: Brasil

Oráculo Filme Melissa Dullius e Gustavo Jahn Mostra Tiradentes Crítica Imagem

Estruturalismo Gustavo-Melissiano

Oráculo“, exibido na Mostra Aurora da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, traz experimentações diferentes de “Muito Romântico” (2016), celebrado trabalho da dupla de cineastas Melissa Dullius e Gustavo Jahn. Partindo de um olhar inerte, somos levados a cinco diferentes espaços, entre Santa Catarina e Barcelona. Seguindo os objetivos da Distruktur, produtora da dupla que se propõe a unir arquivos e ficionalidades, real e imaginado – sempre a partir de uma reorganização de imagens – eles retornam ao importante palco da cidade mineira, com a possibilidade de promover seu experimentalismo e a autodenominada instabilidade narrativa para um público ainda maior na formatação online.

Se há incomunicabilidade, é uma sentença que deixamos ao espectador. Adiantamos que jamais acreditaremos em um mundo onde tudo não se comunica. O trabalho das imagens é feito apenas para que deixasse no público um sentimento que transita entre o saudosismo e o voyeurismo. Não com o intuito de prazer carnal e sim de estabelecimento da visão. O audiovisual que se referencia a partir de uma simbologia própria nos desafia em eventos como o de Tiradentes. Surgindo em uma maratona de produções, nos vincula mais pela sensorialidade do que por possíveis leituras.

Se debruçar sobre as formulações de “Oráculo” no meio de uma agenda cheia é uma injustiça. Trata-se de uma obra que demanda um trabalho laboratorial e reflexivo, assim como a viagem pelo mundo de João Paulo Miranda Maria, que Roberta Mathias introduz ao leitor da Apostila de Cinema nesse breve texto sobre três de seus curtas-metragens. Melissa e Gustavo não estão preocupados em limitar a uma leitura poética, evitando ritualizar suas representações sob o manto de uma ausência de narrativa.

Tanto é verdade que a sinopse oficial nos revela as premissas das cinco sequências que assistimos em exatos sessenta minutos (com mais um de créditos). Na primeira, um homem aparece em cima de um rochedo, longe dos riscos de um mar agitado. O forte barulho do vento nos chama a atenção, até que uma música para Santa Bárbara / Iansã encerra aquele ciclo. Toda a movimentação trôpega daquele homem se reflete de certa maneira com essa interação quase ritualística dos outros personagens com o mundo visto sob os olhos dos cineastas.

Vagarosamente, “Oráculo” quebra a lógica do olhar distante mostrando outro homem que nos apresenta a data em que imaginou que sua vida tinha mudado. Aquele da primeira cena, então, desce para a areia, para os braços de Iemanjá. São duas bênçãos que lhe são permitidas: a de Iansã pelo som apresentado por Gustavo e Melissa – e a da Rainha do Mar em suaves encontros da água com o corpo da personagem. O olhar sobre a corporalidade nos fez lembrar do curta-metragem de Ariel Nobre, “Preciso Dizer que Te Amo”, que encerrou ano passado a mostra competitiva do Festival Taguatinga (e nesse link você pode ler o que escrevemos sobre aquela forte sessão, de alto teor político).

Nessa relação com o vento e o mar, o filme traz uma quebra de expectativa ao trazer uma jovem – tal qual os realizadores em “Muito Romântico” (re)criando arte. O Coletivo 1Kilo recebe o verniz adolescente, na mesma Santa Catarina que os integrantes dessa mistura de gravadora e grupo se estabeleceu (antes de se fixarem no Rio de Janeiro). Algumas coisas despertam o interesse nessa sequência. Não só a mudança na formatação de uma obra que deixa de ser plural para refletir a fórmula de uma só pessoa – o que, diga-se de passagem, não é nenhum problema, releituras sempre são agregadoras. Mas há ali uma captação do Eu enquanto ícone que dialoga muito com nossos tempos, principalmente com as gerações mais jovens.

Aquela menina que grava “Deixe me Ir” sentada na cama do seu quarto com um violão, imediatamente escuta seu trabalho. Despretensioso ou não, ela se vê como referência de si – algo que, inavariavelmente, todos nós estamos processando enquanto criadores de qualquer tipo de conteúdo. Ouvir nossos próprios áudios enviados pelo Whatsapp é reafirmar nosso poder de comunicação, ultrapassando o sonho de ter um site (blog?) sobre cinema.

Melissa Dullius e Gustavo Jahn são exemplos de realizadores com forte carga comunicativa e auto referencial. Transmutam suas obras pela base do experimentalismo para fazer dela um e vários exercícios, ao mesmo tempo. As duas últimas cenas tocam direto nesse sincretismo entre reflexão e vazio. O reencontro de uma mulher com o mar e a observação de uma noite e um dia nas montanhas.

Deter o olhar pode ser difícil a alguns – mas acho que Melissa e Gustavo não se chateariam com isso. Nas palavras da própria música pinçada por eles para “Oráculo“, um espectador pode dizer: “se eu soubesse que era assim, eu nem vinha“. Algum deve se lembrar que: “cada letra em rap é um código sórdido“. Para outros, o filme será uma obra capaz de permitir o que parece não termos mais: tempo. O tempo de Melissa e Gustavo parece muito melhor do que o nosso e o mundo por eles criado (em homenagem a Helena Ignez, Jean-Claude Bernadet, Glauber Rocha e Pedro MC – provando que tudo se relaciona mesmo) dá vontade de nos servir de morada.

Portanto, também de frente ao mar, deixe-me ir:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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