“Os Melhores Anos de uma Vida” é a estreia da semana. Leia três críticas especiais.
Sinopse: Eles se conheciam há muito tempo: um homem e uma mulher, cujo romance deslumbrante e inesperado, capturado no icônico filme Um Homem, Uma Mulher, de 1966, revolucionou a compreensão do amor. Hoje, em “Os Melhores Anos de uma Vida”, o ex-piloto de corridas parece perdido nos caminhos de sua memória. Para ajudá-lo, seu filho procura a mulher que seu pai não foi capaz de manter, mas sobre quem ele fala constantemente. Anne, então, se reúne com Jean-Louis e sua história começa onde eles terminaram…
Direção: Claude Lelouch
Título Original: Les Plus Belles Années d’une Vie (2019)
Gênero: Romance
Duração: 1h 30min
País: França
Amor Através dos Tempos
“Os Melhores Anos de uma Vida” chega ao circuito comercial brasileiro com dois velhos conhecidos dos amantes do cinema francês e do romance clássico. Uma confluência de destinos marcados pela longevidade, reuniu novamente o diretor Claude Lelouch e os atores Anouk Aimée e Jean-Louis Trintignant em um exercício de saudosismo pela segunda vez. A Apostila de Cinema, então, aproveitou a oportunidade se revisitar suas empoeiradas estantes de DVD para assistir novamente as outras obras que deram um sentido à expressão “Um Homem, Uma Mulher” (1966). É quase como se pudéssemos ouvir a trilha sonora de Francis Lai em nossa mente ou lembrar de Montmartre 15-40.
No meio do caminho, uma parada no que o cineasta pode ter interpretado como um tropeço. Se o filme original, vencedor do Grande Prêmio do 20º Festival de Cannes se tornou produto raro em um mercado desaquecido (espero que as plataformas de streaming façam o grande público reencontrar o longa-metragem), “Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois” (1986) se tornou ainda mais obscuro. Quem inicia a sessão guardando na memória o revival oitentista de Anne Gauthier e Jean-Louis Duroc pode se assustar em descobrir que o diretor deslocou a história para um plano alternativo. Nos coloca em um mundo onde os protagonistas viveram intensamente as viagens de Paris a Deauville nos anos 1960 e nunca mais se encontraram.
O roteiro de Lelouch (ao lado de sua esposa, Valérie Perrin) até brinca um pouco com essa realidade. A base da narrativa é a dificuldade de Duroc, abalado com uma demência senil cada vez mais avançada. Seu filho, então, procura Anne – que agora vive uma velhice tranquila na costa parisiense – para que ela visite o pai. Jean-Louis parece obcecado por apenas uma memória: a do inesquecível romance de quase sessenta anos. Esqueça a romantização sobre “melhor idade”, “Os Melhores Anos de uma Vida” trabalha consciente da melancolia de uma vida que se esvai. A existência cada vez menos plena, gera empatia por um senhor que luta contra o destino.
Leia a crítica de “Um Homem, Uma Mulher” (1966)
Leia a crítica de “Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois” (1986)
O filme foge dos exercícios que vinculam as expressões artísticas clássicas e o olhar sobre o amor. Fez isso na produção de 1986, mas com uma narrativa atravessada. Aqui o cineasta opta por trazer pequenas propostas de leitura sobre os fatos, usa o onírico para imaginar o que o personagem de Trintignant não consegue expressar e flui bem nas limitações impostas pelas flagrantes dificuldades do ator. É possível que aqueles que buscam dinamismo se desapontem como uma busca pela teatralização, em longas cenas de diálogos que nos transportam para um reencontro que dispara o já mencionado saudosismo. Claude retoma os momentos mais icônicos da obra original, se alimentando do arquivo – tal qual “Um Homem, Uma Mulher: 20 Anos Depois”.
Quando se prende na atualidade, as voltas no esquecimento de Duroc é um acessório, mesmo com força para se tornar o mote. Bem diferente de “Meu Pai” (2020), que veio ao mundo sem criar expectativas sobre o passado. Esta construção, contundo, demanda um equilíbrio. Isto porque boa parte do público quer o romance e quer viver novas imagens de um cineasta que sempre entregava certa dose de contemplação em um cinema comercial. Nos sonhos daquele senhor, ele volta a expressar o amor pela velocidade, desta vez em uma bonita viagem pelo centro de Paris – em um ato final de quase abandono da narrativa que traz mais ousadia do que tudo o que ele quis apresentar no fatídico filme de 1986.
“Os Melhores Anos de uma Vida” consegue, mesmo que em carga baixa e primando pela revisitação de traumas, tratar um pouco das mudanças na França desde a noite de 19 de dezembro de 1965 – quando Anne e Jean-Louis se conheceram. A apresentação final de um galanteador é tão melancólica quanto os pensamentos de quem insiste na idealização do romance. Porém, independente de qual caminho seguimos enquanto cinéfilos desde que “Um Homem, Uma Mulher” nos arrebatou, merecíamos este reencontro. Materializar o fim de ícones pode ser a melhor forma de valorizar nossa própria vida e tudo o que se ergue quando o brilho deles parece menor.
Veja o Trailer: