Sinopse: A Bolívia celebra o aniversário dos 50 anos da morte de Ernesto “Che” Guevara. Em “Os Nomes das Flores”, Julia, uma professora do interior, é convidada a contar sua história: ela abrigou membros da guerrilha e serviu-lhes uma sopa de amendoim, enquanto Che recitava um poema sobre flores, poucas horas antes de morrer. O convite, porém, é retirado depois que outras mulheres aparecem reivindicando como sendo delas, e não de Julia, a história “da sopa e das flores”.
Direção: Bahman Tavoosi
Título Original: Los Nombres de Las Flores (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 19min
País: Bolívia | Canadá | EUA | Catar
Existir é a Nossa Última Chance
“Os Nomes das Flores“, primeiro longa-metragem do diretor iraniano Bahman Tavoosi, chega na Competição Novos Diretores da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com aquela mesma provocação de olhar estrangeiro que tratamos em “Colômbia Era Nossa“, documentário sobre as FARC dirigido por uma dupla de finlandeses. Resultado de uma globalização que chegou com força no audiovisual, o fato de estarmos diante de um dos poucos filmes do festival que não fez parte do circuito mais badalado, já nos traz uma sensação de estarmos, finalmente, diante do novo.
O resultado é uma interessante construção de narrativa que não se desapega totalmente do tradicional, apesar de abrir mão da voz de quem a conduz. Tavoosi divide aqui o protagonismo em dois. Bárbara Cameo de Flores interpreta Julia, uma professora aposentada. Ela teria recebido Che Guevara e os guerrilheiros que o acompanhava em sua casa. Serviu uma sopa e ele, de tão emocionado e grato, recitou um poema sobre flores em seu leito de morte. Já Susana Condori é a narradora, que de forma imparcial nos mostrará o revisionismo por trás da figura daquela mulher, que em nenhum momento é ouvida.
Em 2017, quando completados cinquenta anos da morte de Che, a Bolívia preparava uma cerimônia em sua homenagem. Por óbvio, o fato da senhora ainda estar viva desperta imediato interesse por sua presença. Porém, não há unanimidade ou questão fechada aqui, já que mais de uma pessoa atribui a si essa honraria. O contraste dessa busca pela simbologia, como se estivéssemos diante de um sudário do mais famoso revolucionário da nossa Era, é feito em uma montagem que nos deixa, durante quase todo o tempo da sessão de “Os Nomes das Flores“, com a ideia de suspensão. É como se cinco décadas não tivessem passado, nas manifestações sobre o território e na maneira como aquela senhora repete, em procissão, uma caminhada carregando um vaso de flores e uma fotografia.
Há um certo diálogo com a abordagem sobre apagamento histórico de “Chico Rei Entre Nós“, produção nacional dirigida por Joyce Prado, também em exibição na Mostra SP. Aqui, entretanto, a ficcionalidade torna essa materialização da invisibilidade mais poética. Trata-se de uma aliteração visual, que o cineasta cria para provar seu ponto. Tavoosi (que dedica o longa-metragem à sua mãe) parece ser um diretor que primará em sua carreira pela forma de se contar uma história, aplicando sua destreza diretamente na linguagem. Não comunga tanto com as representações latino-americanas de curiosidade no olhar da câmera. Prefere algo como uma condução de pertencimento, ainda que menos imersiva.
Mesmo assim, o espectador extrai muito daquela sociedade. O abandono de amigos e conhecidos daquela mulher deixam claro que vivemos uma época de presunção de culpa, de afastamento total assim que surge uma dúvida. A cultura do cancelamento, bem distante do linchamento virtual, é aplicada em um microcosmo nas lindas montanhas bolivianas. Além disso, aborda a criação de objetivos de curto prazo inexplicáveis, que sugam nossa energia sem sabermos direito a troco de quê. Autoridades colocam como termo final para se concluir sobre a identidade real da “professora da sopa” o dia do aniversário de morte de Che Guevara. Isso porque, ultrapassado tal data, não faz mais sentido em discutir tal coisa.
Quando a investigação se torna algo cada vez mais sério, Julia parece se cansar do questionamento sobre a própria vida. Não quer perder a sanidade por tanta gente tratar sua existência como uma ilusão e – literalmente – quebra esse passado, rompe com essa suposta glória. O duro golpe de, perante a sociedade que ajudou a construir com seu ofício, perder o título de professora é o limite. Em “Os Nomes das Flores” fica claro que, além de existir ser a última chance de enxergar justiça em nossas vidas, por vezes a ausência percebida vale muito mais do que uma presença ignorada.
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