Os Pássaros de Massachusetts

Os Pássaros de Massachusetts Filme Crítica Poster

Sinopse: Sofia, Bruno e Fernanda são três jovens solitários que moram em Porto Alegre. Sofia vai fazer doutorado nos Estados Unidos. Fernanda veio do interior e mora com sua gata. Bruno tira fotos da casa das pessoas. Nenhum deles se conhece, mas uma festa eletrônica de apartamento e um turista francês perdido irão entrelaçar seus caminhos.
Direção: Bruno de Oliveira
Título Original: Os Pássaros de Massachusetts (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 29min
País: Brasil

Os Pássaros de Massachusetts Filme Crítica Imagem

Bruno e Sua Cabana

Nos últimos meses da chamada Era Presencial dos festivais de cinema, o cineasta Bruno de Oliveira apresentava, no 47º Festival de Cinema de Gramado, “Os Pássaros de Massachusetts“, agora disponível no Amazon Prime Video. Dali em diante muita coisa mudou, passando pelo lançamento de outro trabalho do diretor, na edição seguinte da mostra gaúcha. Assim como “Ten-Love” (2020), que a Apostila de Cinema conferiu na cobertura do ano passado, Bruno se coloca como um cronista urbano, sendo Porto Alegre uma das protagonistas de suas narrativas. Porém, com uma dose mais introspectiva na construção da história, dá aos seus personagens oposições que o tornam complementares com o avanço da trama.

Aqui ele explora a territorialidade com mais força nas primeiras sequências. O espectador conhece Sofia (Sofia Nóbrega), Bruno (Bruno de Oliveira) e Fernanda (Fernanda Detoni) a partir de suas transições. Até a trilha sonora de Felipe Rotta, na abordagem inaugural, comunga nesse aspecto, parece um pouco as músicas incidentais de elevadores de grandes prédios comerciais – em que o uso da plataforma pode ser uma pequena viagem. Um sebo se destaca entre as imagens e quando mencionamos que o filme é fruto de uma outra era, é que não há como não recepcionar as representações de formas diferentes (enquanto indivíduo de outro centro urbano, o Rio de Janeiro) e não pensar em parte desses espaços não ocupados há um ano e meio.

Bruno é bem mais econômico em relação aos diálogos em “Os Pássaros de Massachusetts“. Não busca a verbalização a todo instante, mostrando que será mais difícil mergulhar em fórmulas próprias com o avanço de sua carreira. Afinal de contas, mencionamos que as falas dos personagens de “Ten-Love” eram fundamentais para afastar a ideia de que assistíamos a uma história de privilégios sem consciência do tamanho de seus dramas. Uma preocupação do audiovisual contemporâneo e que, neste caso, não precisa se impor. Permite contemplar mais as vivências dos três protagonistas sem que recortes e atravessamentos imperem na narrativa, apesar de saltarem aos olhos.

A escolha dos planos e posicionamentos denotam esse olhar, um pouco voyeurístico, à meia altura nos espaços abertos, em caráter transitório. Quem atravessa, entretanto, são as pessoas, a câmera é fixa. Contrasta com algo mais íntimo nas individualidades de cada um em suas casas, aproximando elementos periféricos de suas intimidades, do notebook a um gato, enquanto as mesmas pessoas parecem em suas zonas de conforto. De repente, a trilha sonora fria e compactada da cidade grande ganha contornos mais vivos. Se projetarmos nossas experiências audiovisuais encontraremos ali da aventura à melancolia, passando pela rotina gameficada, em complemento ao trabalho dos atores.

O próprio Bruno reserva a si uma cena clássica de um jovem adulto em seu processo de adaptação. Com um tênis all star que chama a atenção do espectador, ele precisa furar a parede para colocar uma bucha. O modelo da furadeira é um dos maiores golpes da mundo contemporâneo e que nove em cada dez pessoas (que acreditam precisar de uma) acabam caindo na primeira black friday. Sua leveza e praticidade são proporcionais à nossa raiva ao descobrir que, na verdade, ela não fura quase nada. E depois que a parede está com um rombo aparente, a solução é tentar colocar a bucha de qualquer maneira. Mesmo que o all star, símbolo da duradoura pós-adolescência (e não no sentindo de criticar esse comportamento sobre a vida), vire uma ferramenta improvisada.

Sofia mistura a jovem do mesmo nome que parte em uma jornada de autoconhecimento e das estruturas que regem o mundo pela Filosofia do livro de Jostein Gaarder e a clássica história de Alice que encontra um país de maravilhas em seus sonhos. Serão dois os momentos em que ela se entregará ao onírico. A primeira é no gramado de alguma das bonitas áreas verdes da capital do Rio Grande do Sul, com seu livro de capa azul e sua roupas vermelhas (sem o chapeuzinho). A segunda será na rave solitária em que a socialização propõe uma busca por outros corpos em uma espécie de baile de despedida que será o elo dos três personagens. Observa-se, então, uma busca por referências tradicionais do realizador, atingindo um público menos disposto ao mergulho nas mitigadas narrativas contemporâneas.

O tempo dirá se Porto Alegre encontrou um cronista audiovisual de seus espaços, mas Bruno de Oliveira está disposto a sê-lo e parece cumprir os requisitos para tal. É nítido que ele opera pelo olhar que mistura o juízo de valor e o amor, como sempre fazemos com tudo pelo qual apaixonadamente desenvolvemos afeto. Talvez por isso a partir de Sofia, que antecipa (de forma bem mais leve, claro) uma Síndrome da Cabana (e que afeta a todos aqueles que retomam suas vidas sociais e profissionais fora de casa no meio da pandemia), os seus novos amigos se sintam um pouco parte daquele sentimento.

Os Pássaros de Massachusetts” pode ser um marco na forma como o diretor nos apresentará um espaço que muitos de nós ouvimos falar, mas não o conhecemos da forma analítica como ele propõe. Sua cabana, de certa maneira. Com duas obras diferentes, com níveis de ficcionalidades díspares e mensagens distantes entre si, parece ter encontrado desde logo uma unidade em suas criações, sem que isso vira uma repetição de abordagens e temáticas. Veremos como será mais adiante.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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