Para Onde Voam as Feiticeiras

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Sinopse: Para Onde Voam as Feiticeiras acompanha um grupo de performers LGBTQIA+ em intervenções artísticas no centro de São Paulo. Suas ações são disparadoras de debates sobre desigualdades sociais, preconceitos e vidas marginalizadas, permeados pelas lutas dos movimentos negro, indígena, de ocupações urbanas. Com uma forma híbrida em contínua construção, o filme aposta menos na busca por respostas e mais no diálogo coletivo enquanto método e finalidade. Ele extravasa a circunscrição de bandeiras identitárias, permitindo-se contaminar pela centelha incontrolável de vida que vem do gesto de lançar-se às ruas
Direção: Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral
Título Original: Para Onde Voam as Feiticeiras (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 29min
País: Brasil

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Unir para Conquistar

Para dar sua contribuição às lutas sociais, há um exercício simples e muito eficiente: subverter os símbolos do opressor. “Para Onde Voam as Feiticeiras“, filme de abertura do 9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, menciona a interseccionalidade da porta para dentro, quando os carismáticos agentes da obra se reúnem para pautar suas ações. Da porta para fora, impulsiona esse valor contrariando a premissa de que devemos nos dividir para conquistar. Os diretores Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral teceram nas representações do grupo um grande arco de consequência indireta e direta das várias formas de intolerância – passando por cima das ultrapassadas discussões sobre as causas.

A heteronormatividade branca é um fato social. A busca é por romper apagamentos e invisibilizações para, em agenda positiva, varrer o preconceito e os múltiplos genocídios da realidade brasileira. Sendo assim, o filme se propõe a acompanhar uma série de intervenções urbanas em São Paulo, objetivando a promoção de um debate público que equilibra o didático e o lúdico, a militância e a diversão. Como todo fazer artístico popular carregado de representatividade, há resistência. De comerciantes locais e de parte do público, com seus preconceitos, conservadorismos e atitudes fascistas veladas ou vivíssimas.

Os artistas querem romper com a barreira da invisibilidade ocupando o centro comercial. Ocupações não devem ter hora marcada, porque ter a cidade à sua disposição é um direito. Porém, mesmo sem interferência aparente do Poder Público, os protagonistas de “Para Onde Voam as Feiticeiras” precisam lidar com outras presenças. Negativas, mas também positivas, de plateia com consciência de classe e livre de discriminações, por vezes conquistadas na dura realidade de ser alguém em situação de rua. Eliane e Carla Caffé, diretora e autora de “Era o Hotel Cambridge” (2018), retomam, em mais um longa-metragem enriquecedor, sua visão sobre São Paulo, a megalópole onde ser invisível é quase uma regra.

Por isso, romper com essa lógica e tornar os corpos não-binários visíveis é colocá-los todos no meio da praça, indiscriminadamente. Preta Ferreira, militante do MTSC (Movimento dos Sem-Teto do Centro) é uma das artistas que participam do coletivo. O filme procura a espontaneidade do olhar sob o fato escondendo a câmera ou telegrafando que a captação de imagens é da apresentação – e não da reação. Traz sua parcela de importante didatismo em duas breves cenas em que o grupo se reúne e debate internamente o que os aflige. Transporta as dificuldades das causas dos povos originários a outra ocupação de espaço, da política institucional, via imagens de arquivos de comissões parlamentares em Brasília.

É uma obra panorâmica, mas recheada de momentos inesquecíveis. Seja pela espontaneidade de algumas respostas, pelo duro enfrentamento do discurso de fé deturpada de um pastor evangélico; ou pela potência das músicas e outras manifestações. No que tange à falta de protagonismo de homens e mulheres trans, a produção dialoga muito com o bonito curta-metragem “Vinde Como Estais“, que os diretores Rafael Ribeiro e Galga Gogóia apresentaram em alguns festivais de 2019 e 2020. Já a ausência de protagonismo negro e indígena há tempos está no centro do debate sem que mudanças concretas na produção não-periférica seja identificada.

Quando todos se reúnem, a comunicabilidade respeitosa e a aplicação do conceito de lugar de fala acaba por se tornar um assunto das reuniões. Na rua, não, eles precisam ser a tropa de choque deles mesmos. Seja no discurso contundente ou na proposta de um ambiente festivo, as representações de “Para Onde Voam as Feiticeiras” comprovam que não há formas corretas ou hierarquicamente superiores. A luta social se vale de ferramentas e armas complementares. Mais do que isso. Assim como em uma guerra, a voluntariedade do conflito pode fazer sentido no início. Porque, como o próprio filme demonstra, quando o fascismo ascende, os opressores se tornam bem menos seletivos em sua missão de destruir.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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