Sinopse: Pessoas idosas se reúnem todos os dias nos jardins românticos do Palácio do Catete, que foi a residência oficial dos presidentes do Brasil de 1867 a 1960, e hoje abriga o Museu da República. Ao cair do sol, eles conversavam sobre o sentido da vida e cantavam juntos canções de amor. O filme foi interrompido subitamente pela pandemia do coronavírus e transformou-se em um tributo a uma geração dizimada.
Direção: Sérgio Tréfaut
Título Original: Paraíso (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 14min
País: Portugal | Brasil | França
Inimigos da Saudade
Para boa parte dos espectadores do Festival É Tudo Verdade 2021, o documentário “Paraíso“, dirigido por Sérgio Tréfaut e parte da mostra competitiva de longas-metragens internacionais, será o primeiro contato com um microcosmo real que se desfez pela pandemia do novo coronavírus. Quando somos levados a nos aproximar de uma realidade distante, parece que a empatia se materializa de outra forma. Portanto, o caminho nos próximos anos, de releitura do período em que vivemos, será trágico e traumático para o audiovisual.
Mais do que isso, o filme retoma uma importante questão relacionada à saúde mental e ao comportamento dos mais velhos no início da fase de isolamento social, onde a ideia de que rígidos protocolos e fechamento de boa parte das atividades surtiria efeito – porque seria respeitada. Acompanhar os meses que antecederam essa fase, pelo olhar de um grupo de idosos que se reunia nos jardins do Palácio do Catete para dividir seu amor pela música em serestas por ele organizadas, é lembrar o peso que o confinamento trouxe para eles. A ponto de, muitos, não aceitarem e levar suas famílias ao desespero na tentativa de mantê-los em casa.
“Paraíso” tem uma estrutura parecida com um dos melhores curtas-metragens de 2020, o multipremiado “Noite de Seresta“. Porém, se ali a narrativa foca em uma personagem, Katia Blander, a produção de Tréfaut se espalha em várias histórias. A montagem tem esse verniz saudosista, de lembrar canções populares de todas as épocas (de Wando a Roberto Carlos) e, identificando-os apenas pelas imagens e representações, recebemos pequeno enxertos da rotina daqueles senhores e senhoras que transformam os jardins antes ocupados pelos governantes da República em um palco para seu talento escondido.
Não podemos dizer que o cineasta aplica um olhar estrangeiro. Residente no Brasil até a adolescência, o diretor parece ter uma mistura de exploração da saudade por aquele território com uma curiosidade, natural por apresentar um espaço que muitos – até quem mora no Rio de Janeiro – não saber ser ocupado daquela maneira. No meio de senhoras que trazem o medo da solidão no olhar, temos os típicos “cidadão velho carioca” (uma classificação que ultrapassa a idade e na qual me incluo espiritualmente, mesmo na casa dos trinta). Por esse caminho totalmente observatório, Sérgio vai abrindo espaço para o samba, para as casas humildes daquelas pessoas, retratando algumas das tradicionais vielas da região central da cidade – que iniciou sua degradação assim que o Palácio do Catete, centralizador do poder estatal, se transformou em um museu, assim como boa parte dos grandes expoentes arquitetônicos daquele território.
Conforme vai se alongando, o documentário exige do seu espectador envolvimento, um pouco de vontade de participar daquela comunidade. A boemia representada por Noel Rosa e Nelson Gonçalves, memórias de um Rio de Janeiro que não existe mais e que via naqueles encontros uma resistência informal, fruto de uma necessidade de estar junto. Se já não bastasse seu objeto ser carregado de sensibilidade, tornando o filme muito tocante, a pandemia fez com que, em um dia qualquer, aquelas imagens daquelas pessoas se deslocando para o metrô em mais um “até breve” fosse uma despedida eterna. Como um baque, a realidade da pandemia envolve o público com a interrupção abrupta da narrativa. Uma edição que nos leva da empolgação para as reflexões sobre o que estava se perdendo – até chegar no que, de fato, acabou. Saudades do tempo em que uma obra como “Paraíso” não nos arrebatasse de tristeza ao final. Mas, é esse o tempo em que vivemos, não há como escapar.
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