Sinopse: Em “Passageiro Acidental”, três pessoas em uma missão de dois anos para Marte enfrentam um dilema fatal depois que um passageiro inesperado coloca todos em risco.
Direção: Joe Penna
Título Original: Stowaway (2021)
Gênero: Ficção | Thriller | Drama
Duração: 1h 56min
País: EUA | Alemanha
Quatro é Demais
Chegando na Netflix no final de abril, em mais um ano em que parece que a chamada “temporada do verão norte-americano” ficará em segundo plano, “Passageiro Acidental” é, sim, mais um filme no espaço. Quem acompanhou a live da Apostila de Cinema no Oscar 2021 percebeu que não somos muito fãs das últimas produções deste gênero. Na verdade, um subgênero de ficção científica, que se propõe a traçar paralelos e metáforas sobre os relacionamentos humanos a partir de viagens para fora da Terra. Porém, há algo bem mais interessante do que a média no longa-metragem dirigido por Joe Penna. Talvez seja a junção de uma representação mais minimalista com o uso de outras fontes de narrativa. Nada espetacular, mas o suficiente para nos envolver mais do que o padrão.
O filme conta a história de uma nave com três tripulantes, em uma missão de dois anos à Marte. A comandante é Marina (Toni Collete), que lidera David (Daniel Dae Kim), um pesquisador que levará o objeto de seus estudos, na intenção de plantar mudas no planeta vermelho. O que, obviamente, abrirá a possibilidade da produção de oxigênio – e, por consequência, a chance de colonizar o território. Zoe (Anna Kendrick) é uma médica enviada de última hora, em uma nave projetada para apenas duas pessoas e adaptada. Porém, a parte inaugural da obra se encerrará com a descoberta de um quatro tripulante, o engenheiro Michael (Samier Anderson).
Penna faz um trabalho curioso de representação inaugural. Nos apresenta o trio na decolagem da missão, com foco em seus rostos e no painel de controle. Faz da potência imagética do infinito estrelado um acessório, das conversas sobre tais possibilidades de transformação da Humanidade a partir desta empreitada algo, digamos, menor. Aproxima a trama de um drama mais simples, acompanhando em uma das primeiras sequências a personagem de Collete em um plano-sequência com a função de apresentar todo o cenário onde a ação se passa, por exemplo. Já na caracterização de Zoe e David, o texto resgata a velha rivalidade entre Harvard e Yale. Aspectos mundanos que levarão os personagens a uma crise que parecia impensável e soa até mesmo irônica.
Isto porque, quando Michael é descoberto, “Passageiro Acidental” revela de plano a grande mensagem por trás de si. Aquelas quatro pessoas viverão um dilema a partir, vejam só, da necessidade de oxigênio. É quase a mesma visão individualista de Arthur (vamos aproveitar os últimos dias de programa para traçar paralelos com o BBB): “o homem foi pra Lua e eu não saio da xepa“. A graça por trás do mote do filme é justamente nos levar ao ambiente mais tecnológico e desenvolvido possível, com potencial de fazer os humanos habitar outro planeta – e correr risco de fracasso apenas por não conseguir expulsar o gás carbônico de dentro da nave.
Quando digo que o longa-metragem acerta em beber de outras fontes, é que não há muita novidade no próprio dilema propagado pela sinopse. Os jovens estudantes de Direito, por exemplo, dificilmente não se confrontaram com um pequeno livro chamado “O Caso dos Exploradores de Caverna“, de Lon L. Fuller. A lógica é a mesma (levada ao cinema quando a realidade imitou a ficção – e depois foi imitada por ela – em “Vivos“, sucesso de 1993 dirigido por Frank Marshall). Aquelas pessoas precisam ponderar os valores, administrar interesses. Não há mais espaço, a princípio, para todos viverem. Com isso, aspectos das personalidades são apresentados e se sobrepõe.
Neste quesito, a obra não é tão arrebatadora assim. Pelo contrário, se ergue até um pouco rasa. Com um bom elenco nas mãos, Penna não sabe explorar a forma metódica e pragmática de David, o espírito de liderança de Marina e – principalmente – o alto grau de humanidade exposto por Zoe. Refletir sobre eles é concluir que todos são reflexos de suas origens e formações, caminhos que nos levariam a debates bem proveitosos. Porém, nada disso está no filme, é preciso projetar, ir muito além do objeto proposto. Isso não chega a ser um defeito, já que as representações básicas o permitem fazer – mas, qualificá-lo por conta disso soaria exagerado.
“Passageiro Acidental“, contudo, é uma boa obra de confinamento, que nos leva à imensidão apenas quando necessário. Mantém a tensão em alta, segura sua conclusão com uma dose de suspense. Não chega a ser um amplo estudo de personagem e de caso, como parecia que se tornaria e quase perde força em alguns diálogos que abrem a segunda metade. Penna não exagera no formalismo e no ritualismo de um gênero limitado por essa forma de se expressar, ou seja, não deixa o tradicionalismo tomar conta. Por outro lado, foge da metáfora cansada, entrega um clímax em tempo real poderoso e deixa o amargo gosto de que o pensamento humanista anda sendo mais punido do que ouvido.
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