Sinopse: Fábio amava Pedro, que sentia algo por Carlos, que não sabia o que esperar de Fábio. Agora tudo isso já passou e não há porque olhar para trás.
Direção: Felipe André Silva
Título Original: Passou (2020)
Gênero: Romance Experimental
Duração: 1h 10min
País: Brasil
Pode me Pedir
“Passou” é mais um fragmento literário, uma poesia inveterada dos nossos tempos. Felipe André Silva minimaliza em personagens, sequências, espaços – e mesmo assim nos traz uma visão ampla do amor e da falta que ele sempre nos faz. O filme, parte da programação do Festival Ecrã, parece seguir um caminho parecido com o do curta “Tempestade“, apresentado na mesma mostra. Só que aqui temos fato gerador, atos preparatórios – só não temos cogitação.
Porque o amor é espontâneo e o fim dele, geralmente, não é planejado. Um dia ele acaba – mesmo que não termine. Somos uma espécie que possui o distanciamento, a racionalidade e a frivolidade de dividir sentimento de expressão, de manifestação. Por isso acarinhamos sem gostar, xingamos sem querer ofender, gozamos sem amar. Ou fingimos que. Nunca sabemos ao certo quem nos acompanha. Muitas obras do Ecrã em 2020 se valeram dessas projeções sobre o outro para entregar grandes filmes. O longa-metragem espanhol “Meu Pretzel Mexicano” e o curta-metragem brasileiro “Céu na Terra” foram alguns exemplos. Mas “Passou” bate forte no espectador porque é um tiro seco – ele confina nossas sensações tornando sua mensagem mais perene.
Uma narrativa que nos coloca em um dos momentos mais efervescentes das nossas vidas – principalmente no recorte de classe e gênero dos personagens. Quando temos vinte e poucos anos essa nossa relação com o sentimento alheio não parece gerar tanta importância, pois estamos em uma fase em que tentamos entender para onde nossas vivências, que se atropelam em um ritmo frenético, estão nos levando. É o último pilar da juventude, nossa última chance de sermos inconsequentes. Fabio, que a sinopse sentencia que amava Pedro, não encontra tempo para pensar em suas decisões. Os arrependimentos vêm em forma de fantasma. Quando um relacionamento deixa de existir (por qualquer motivo), é comum passarmos por alguns estranhamentos. O curta já citado (“Tempestade”) fala do vazio no ambiente privado e tudo o que há na casa antes ocupada nos desperta.
Já “Passou” dialoga com outra relação de estranhamento, mais externa. Eventuais reencontros ou quando nos pegamos falando sobre o outro – aquele que não faz mais parte de nós. Até que o amor transmuta e se renova. Felipe André Silva usa uma música da banda punk Desgraça chamada “Tudo o que Você Quiser” para ilustrar essa nossa capacidade de adaptação às circunstâncias. No final das contas, nunca concluímos o que está passando, o que passou e o que não passará. Tenho um conhecido que está há mais de trinta anos em constantes trocas de relacionamento – já morou com mais de dez pessoas diferentes. Ele decidiu, talvez inconscientemente, não viver esse ritual de passagem tão formador quanto a passagem. Ele trai, subtrai e substitui. Não sabe o que é solidão ou talvez não entenda o conceito de partilha.
Ele deveria assistir ao filme de Felipe e entender que nenhum de nós é capaz de segmentar emoções. Estamos constantemente alterando nossas percepções e nos relacionando de forma diferente com todo mundo e com nós mesmos. É mais uma obra que usa essa negação do rótulo como uma grande possibilidade de universalizar experiências que – de longe – nos parecem bem pessoais.
Acaba que a dedicatória de “Passou” confirma a sensação trespassada ao longo da sessão. Assim como a premissa do livro “Glória”, do escritor Victor Heringer, que nos deixou antes de ser reconhecido pelo grande público. Uma sociedade de pessoas doentes, que não conseguem ver seus problemas morrerem. Trocam antigas questões por novas, em um carrossel constante. Padecem de desgosto. E quem de nós não está com esse (des)gosto da boca nos últimos tempos?
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