Sinopse: “Pequena Garota” nos apresente Sasha, uma menina de 8 anos como qualquer outra: adora dançar, brincar e imaginar. A única diferença é que ela nasceu um menino. Neste tocante documentário, conhecemos a jornada de uma menina transgênero e sua família pela aceitação.
Direção: Sébastien Lifshitz
Título Original: Petite Fille (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 24min
País: França | Dinamarca
Sensibilizar o corpo
Logo na primeira infância principalmente na fase até os 3 anos nosso desenvolvimento cognitivo é acelerado e aprendemos a lidar com as emoções. É evidente que esse processo continua a se dar posteriormente, mas esses anos são essenciais para nossa compreensão corporal e emocional. Quando vemos as primeiras sequências do documentário “Pequena Garota“, vencedor do prêmio Teddy de 2020 na categoria, nossos pensamentos voam para essa fase da vida.
Com uma abordagem extremamente sensível o diretor francês Sébastien Lifshitz apresenta as decisões da família de Sasha após experimentarem estranhamento e medo logo que essa anunciou aos 2 anos que seu desejo mais profundo era ser uma menina. Embora tenha derrapado em um primeiro momento, sua mãe se mostra empenhada em tornar a vida da filha feliz.
Caso nos concentramos justamente nas primeiras sequências nas quais vemos uma Sasha sozinha experimentando o próprio corpo e percebendo a imagem que vê refletida no espelho enquanto sente os tecidos do vestido, podemos lembrar do conceito de Merleau-Ponty para essa relação sensorial que desenvolvemos com o corpo. Tendo a comunicação como grande motor, a ideia de corpo-mundo nos joga dentro de um maravilhoso experimento cognitivo, porém nos coloca um problema central. Sem querer aqui explorar toda complexidade do pensamento do filósofo e o apresentando somente como uma das possibilidades de abertura
para a questão, parto para perguntas mais diretas as quais temos que enfrentar cotidianamente. Como lidar com as diferenças que aparecem através dos sentidos? Como agir quando aquilo que os outros percebem, não é o mesmo que percebemos? Esse que poderia ser um convite para ampliarmos nossas percepções, se torna um conflito quando vivemos em sociedades controladoras. O corpo de Sasha, fora das normas estabelecidas ainda é visto pela escola, por exemplo, como uma ameaça.
O principal problema que acompanhamos, aliás, é a integração da menina – na ocasião com 7 anos – dentro do ambiente de estudo. O encontro com professores e profissionais da área de educação com ideias congeladas no tempo trazem sofrimento para Sasha que não possui qualquer conflito ao afirmar que é uma menina. É com um punhado de angustia que acompanhamos a menina chorar pelo desconforto que lhe é causado.
Ainda descobrindo as capacidades de seu corpo e intelecto, Sasha é exposta a um grau de tensão pelo qual nenhuma criança deveria passar. E, por vezes, vemos a menina apoiar a mãe que se sente causadora do corpo transgênero de sua filha. Sabemos que não há lógica para essa culpa e, no fundo, ela mesmo também intui que sua filha é quem é e, que deveria poder ser sem qualquer julgamento. O julgamento, no entanto, continua a se manifestar (e a ser alimentado) pela sociedade como maneira de rechaçar aqueles que escolhem caminhos entendidos como não convencionais.
Como apreciador do comportamento humano, como o faz no caso de “Adolescentes” (2019), documentário disponível na Amazon Prime, Sébastien Lifshitz passeia pelos conflitos encontrados pela menina e sua família apostando mais na emoção e nas relações interpessoais que são (quase) comuns a (quase) todos nós enquanto integrantes de um núcleo sem deixar de lado o conflito vinculado à Sasha. Certeiro e singelo.
Veja o Trailer de “Pequena Garota”: