Sinopse: Piedade é um vilarejo abalado pelo avanço da indústria petroleira. Ao receber constantes visitas de um lobista, eles precisam se organizar para discutir o futuro de suas propriedades – ao mesmo tempo em que relacionamentos familiares e sociais seguem se modificando e tornando menos óbvias suas rotinas.
Direção: Cláudio Assis
Título Original: Piedade (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 38min
País: Brasil
Afastando Caretas e Covardes
Cláudio Assis cria uma abertura para “Piedade“, seu mais recente longa-metragem assistido em pré-estreia no Festival Espaço Itaú Play, que em poucos segundos nos traz algo que transita a estética vaporwave e programas de televisão dos anos 70 e 80, como “Armação Ilimitada” (1985-1988). Contrasta a figura de Aurélio (Matheus Nachtergaele) um rico lobista que se vale da especulação imobiliária, com um grupo de surfistas mascarados, que parecem lutadores do “Telecatch” (1965-1969).
Enquanto a ferramenta opressora se valerá de um juridiquês que acaba por confundir os humildes moradores de Piedade, os jovens ativistas usarão o mundo virtual para atacar a empresa Petrogreen (ou Petrobosta, como apelidam). O argumento do próprio Assis, em texto escrito a seis mãos por Hilton Lacerda (como sempre), Anna Francisco e Dillner Gomes, é bem mais conectado com a realidade da sociedade brasileira de forma universalista do que as obras anteriores do cineasta, de grande apelo regionalista.
Inclusive, o grande destaque de “Piedade” é o personagem Omar (Irandhir Santos). Ao mostrar um representante de entidades de classe enfraquecido, em oposição à juventude agitadora das redes, o filme ventila um debate acerca do quanto estamos perdendo por deixar que os discursos mais politizados não acompanhem ações concretas no mundo “real”. Um ativismo que tem se mostrado cada vez mais vazio, posto que ineficiente. Uma pena que Assis não explore o potencial dessa narrativa e descambe para um drama familiar que, mesmo interessante, divida espaço com uma construção tão bem elaborada nos primeiros minutos do longa-metragem.
Ao final do primeiro terço de “Piedade” (igualmente bem recortado pela montagem quanto o observado em “Big Jato“, de 2016), Sandro (Cauã Reymond) surge como uma ponta solta. Com isso, Omar – um líder questionado justamente por ser líder, que apenas quer uma comunidade com as rédeas de seu destino – vai perdendo espaço. O elemento do sexo é trabalhado por Assis com premissas mais enraizadas da trama e acaba não fazendo sentido toda a exploração observada em “Baixio das Bestas” (2006), por exemplo.
O tom está certo, mas o filme não consegue se desgarrar de ser um punhado de histórias que vagueiam e se interligam sem muita objetividade. Irandhir Santos compõe uma personagem parecida com seu Zizo de “Febre do Rato” (2011). Bem menos lúdico, porém mais assertivo – peça fundamental para uma conclusão forte, sobre as lutas e mudanças cada vez mais silenciosas da sociedade. É uma boa metáfora sobre a despreocupação acerca do rumo que estamos tomando, por vezes causadas por desinteresse, mas por vezes podendo ser creditado ao acúmulo de problemas pessoais.
Cauã Reymond, que tão bem interagiu com Fernanda Montenegro em 2005, na novela “Belíssima” (2005-2006), já foi objeto de “pré-críticas” por profissionais que nem assistiram ao longa-metragem. Um ator que já mostrava na época de Mateus e Bia Falcão ter totais condições de dividir cena com um grupo talentoso como o de “Piedade” – incluindo a já citada atriz. A carga de impacto mais fraca não deve ser argumento para uma crítica ao elenco. Com uma câmera menos exploratória e uma indecisão acerca dos caminhos trilhados pela obra, não sacode tanto assim os admiradores da filmografia de Cláudio Assis – mas talvez seja capaz de atrair novos membros para o fã-clube. O importante é que seguirá afastando caretas e covardes.