Sinopse: Forte e feminino, “Por que você não chora?” aborda o delicado tema do suicídio. Jéssica é muito fechada, Bárbara é uma bomba relógio. As duas se encontram quando, no estágio da faculdade de psicologia, Jéssica atende Bárbara. A convivência leva Jéssica a questionar sua vida vazia e sem significado.
Direção: Cibele Amaral
Título Original: Por que você não chora? (2020)
Duração: 1h 38min
Gênero: Drama
País: Brasil
Reconstrução sem Limites
Peça ajude, não menospreze os gatilhos. Com essa mensagem, direcionando o espectador ao Centro de Valorização da Vida pelo telefone 188 a competição de longas-metragens nacionais tem início na 48ª edição do Festival de Gramado. “Por Que Você Não Chora?“, dirigido por Cibele Amaral, chega em meio ao Setembro Amarelo sem se preocupar em antecipar os assuntos que serão tratados. Com a mesma sutileza que ele inicia sua jornada, ele encerra e respeita o público em suas individualidades desde o princípio. Passa por nós com a certeza de que deixou sua mensagem e conta com inúmeros talentos em seu elenco principal e de apoio (como Elisa Lucinda e Cristiana Oliveira) para valorizar o debate ao qual propõe.
Carolina Monte Rosa é Jéssica, uma estudante de Psicologia que aceita participar de um núcleo de estágio onde deverá acompanhar a vida de Bárbara (Bárbara Paz), diagnosticada com Transtorno de Personalidade Limítrofe (Boderline). A jovem cuida de sua irmã, Joice, além de dividir seu tempo entre a faculdade e um emprego na recepção de um prédio comercial. A cineasta e psicóloga opta pela exploração das personalidades, um caminho que torna mais seguro seu ótimo trabalho. Mesmo assim, as representações de uma área do Distrito Federal que vê conjuntos habitacionais gigantes se erguendo chama a atenção. Visto do alto, nos deixa a sensação de que – no meio de todo aquele concreto e de toda aquela gente – a relação entre Jéssica e Bárbara fatalmente nos passaria despercebida, se não fosse a abordagem da diretora.
Mesmo que a tendência seja olhar para as duas protagonistas pelo contraste, o equilíbrio nas atuações tornam as personagens mais complexas do que a simples inversão. Bárbara Paz, com seus anos de ótimos trabalhos ao audiovisual brasileiro, constrói a sua (outra) Bárbara de maneira a levar o espectador pelo mundo limítrofe no qual vive. Há sequências de enorme destaque, principalmente em um dos principais momentos do primeiro terço de “Por Que Você Não Chora?“. Ele ocorre quando sua psicóloga, interpretada por Maria Paula, trabalha em sua consciência a escolha por um tratamento mais próximo de sua condição. Enquanto isso, a Jéssica de Carolina Monte Rosa é carregada de introspecção. Divide, forçadamente, com o público seus próprios demônios – em um quarto tomado de azul e cinza.
Com o desenrolar dos acontecimentos, todos os medos da estudante ganham força. Seu telhado de vidro, que já gotejava, passa a minar ainda mais água dentro da redoma que ela imaginava que o estudo da mente dos outros lhe traria. Já Bárbara sempre parece controlar as ações, estando em crise ou não. Quando ciente de seu momento, ela verbaliza preferir levar a vida do seu jeito do que ser como Jéssica. Lidar com alguém que possui boderline ou algum outro transtorno que afeta a personalidade é, também, um teste. Saber que palavras que lhe ofenderam foram proferidas, sim, com esse intuito. Mas, seguir adiante. Reinventar técnicas, pluralizar abordagens. Estancar a crise. Por fim, analisar criticamente como há espaço para uma reconstrução da vida de quem você acompanha. Bárbara, por exemplo, se apresenta por vezes mais corajosa em enfrentar alguns dilemas – principalmente relacionado à guarda de seu filho – a partir da troca que desemprenha com Jéssica.
A busca por ajuda profissional é fundamental e a personagem de Carolina, almejando se tornar uma, precisa lidar com um distanciamento que ela não alcança. Ao permitir o vínculo afetivo com Bárbara, isso lhe afeta. O envolvimento emocional é a principal causa de nossa impotência ao tratar de questões parecidas com parentes e amigos. Se, em um primeiro momento, as dependências criadas podem trazer benefícios – o que Bárbara precisava era, de fato, alguém que ela confiasse – com o passar do tempo pode piorar a situação.
Cibele Amaral conduz seu filme por esse viés exploratório das personalidades, como já mencionamos. Sendo assim, abusa de todos os planos, enquadramentos e angulações possíveis. Na busca por compreensão daquelas psiques, vai de angulações 3×4 a um bonito plano contra zenital que se repete e se inverte, sempre que ela entende pertinente. Não há limites físicos de espaço para a cineasta que quer desnudar a mente de suas protagonistas. Preocupa-se, de igual maneira, a mostrar como o suicídio é um processo – mesmo em pessoas que tem a impulsividade como característica.
Avisos nunca devem ser menosprezados. “Por Que Você Não Chora?” chega ao fim tal qual um laudo médico. Sem julgamentos, optando por uma condução fria, que nos permita o envolvimento de forma a analisar e imaginar se, no meio de tantas crises das mais diferentes formas que estamos passando, já não passou da hora de tentar ajudar ou pedir ajuda.
Veja o Trailer:
Clique aqui e acompanhe nossa cobertura completa do Festival de Gramado 2020.