Sinopse: Rani é abandonada por seu noivo dois dias antes de seu casamento, quando ele sente que ela é muito puritana para ele. O casal tinha planos de ir para Paris e Amsterdã para sua lua de mel. Rani decide fazer a viagem sozinha. Sozinha em um lugar desconhecido e longe de sua cultura, ela acaba conhecendo pessoas, vivendo novas experiências e revivendo a mulher em si mesma.
Direção: Vikas Bahl
Título Original: Queen (2013)
Gênero: Aventura | Comédia | Drama
Duração: 2h 26min
País: Índia
Gratidão ao Boy Lixo
Motivados pela chegada de títulos de Bollywood na Netflix, seja com o selo de originalidade na produção ou na distribuição internacional, encontramos em seu catálogo “Queen” (2013), um dos maiores sucessos dos últimos anos, tanto de público quanto crítica (vencendo em importantes categorias de várias premiações da indústria local). Um registro importante de um período em que as lentes do mundo se voltaram para a produção da indústria cinematográfica indiana.
Uma obra que já carrega consigo parte do processo de internacionalização. Afinal, o choque cultural motivado pelo relacionamento entre um jovem casal, mote comum nos longas-metragens do país, ganha outra conotação. Aqui a protagonista Rani (Kangana Ranaut, alçada ao status de estrela a partir deste trabalho), que em híndi significa Rainha, vive a frustração de ter seu casamento cancelado unilateralmente pelo noivo Vijay (Rajkummar Rao). Ele o faz na véspera da celebração, depois que o canção de abertura do filme (e que você confere ao final, até porque o trailer oficial é bloqueado para incorporação em outras páginas) traz parte do ritual pré-nupcial, envolvendo a escolha do sari e a tatuagem de henna nos punhos e braços da futura esposa – e que, ao contrário dos planos de um matrimônio, passa longe da eternidade.
Por sinal, o que chama a atenção na cena inicial de “Queen” é a menção direta a outra produção de Bollywood, “Cocktail” (2012), como uma inspiração da manifestação artística popular no que seria a realidade (aqui colocada como uma nova ficção). Porém, toda a trajetória posterior de Rani será a de afastamento desse mundo de sonhos e o sári e a henna terão funções importantes aqui. A letra da música já brinca com o sentimento de “posse” do marido e traz o empoderamento e certa busca por autonomia como premissas.
Esta será o mote da narrativa, mesmo que o humor faça essa representação ser explorada de forma acidental, muitas das vezes. A personagem embarcará para Paris e Amsterdã, onde passaria sua lua-de-mel, em uma pequena eurotrip libertadora – e filmada um pouco nessa vibe, com orçamento e equipe de produção reduzidos. Já a direção de Vikas Bahl nos lembra sempre que possível da pintura se apagando nos braços e na mudança de figurino, mais leve e curto da protagonista. Mesmo que ela, como revela ao final, compre uma roupa fabricada na Índia em pleno centro turístico francês.
Pensando em perspectiva, as imagens iniciais também vinculam essa ideia de transição, de problematizar o conto de fadas das obras mais tradicionais de Bollywood. Elas ficam nos flashbacks e montagens que mostram Vijay tentando conquistar Rani (e o desinteresse inicial dela). Mais adiante, a criação de limites e o julgamento sobre o hábito de dançar e a quase proibição de socializar com bebida alcóolica é parte da lógica do patriarcado refletido no noivo em fuga. Todas as experiências posteriores da mulher não carregarão nem a áurea de romance meloso e muito menos os constantes julgamentos sociais sobre sua conduta. Focarão no intercâmbio cultural nem sempre fácil da jovem em dois territórios marcados pelo cosmopolitismo, enquanto sua família, à distância e lutando contra os próprios preconceitos, tentam fortalecer o rito de passagem que a moça passa na viagem.
Se algum produtor norte-americano colocasse as mãos no material e forma de fazer de obras como “Queen“, provavelmente suas duas horas e meia seriam: 1. picotadas e transformadas em um longa-metragem imbecilizado ou 2. estendido para virar uma série que tornaria as várias experiências da protagonista em forçados flertes e dilemas amorosos com uma comédia besta.
Não que o espectador não se confronte com algumas piadas mais bobas, envolvendo o desconhecimento da personagem em um sex shop e o humor envolvendo uma boate de pole dance. Algo mais próximo de uma libertação sexual juvenil que não funciona tão bem quanto a formação crítica sobre o momento em que está vivendo por parte da personagem.
Por fim, a divisão clara em capítulos traz aliança com outra jovem em Paris e com um trio de homens em Amsterdã, quando ela dividirá um quarto em um albergue – e deixará alguns de nós cheio de vontade de provar o tal Golgappa (pão frito mais conhecido como pani puri). Sem misturar as sintonias, o texto parece pontuar que Rani vive um processo. Que sair do ponto A para o ponto C seria mais traumático do que viver experiências cada vez menos conservadoras e protecionistas.
E, o melhor: todas essas situações viram apenas argumentos para ela formar o seu julgamento. Isso permite até que a cena do show de rock, que se encerra com a despedida dos colegas russos e japoneses, possa ser lida de duas formas. Ali a personagem se encontra sozinha na plateia e passa o sentimento de que, agora, tem toda uma vida pela frente – preocupando-se “apenas” com a sua felicidade.
Há quem entenda que ali há um clímax para que a volta à Índia seja uma conclusão. E há quem receba o momento como o final de “Queen“, sendo os desdobramentos posteriores um epílogo. De qualquer forma, a solução encontrada por Bahl é bonita de qualquer forma. Depois daquilo, só resta a Rani confirmar sua família enquanto alicerce e demonstrar sua gratidão ao boy lixo que o fez ser uma pessoa por completo e não uma metade, como a sociedade quer impor que ela seja.
Assista “London Thumakda”, música de abertura de “Queen”: