Quente de Dia, Frio à Noite

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Sinopse: Desempregados e enfrentando uma difícil situação financeira, o casal Young-Tae e Jeong-hee se vê obrigado a procurar os mais diversos empregos e bicos pela cidade, mas com um acordo: não fazer empréstimos privados. Um dia, contudo, Jeong-hee descumpre a promessa, mesmo sabendo que não poderá pagar. Com um apurado senso de humor, o diretor e roteirista Park Songyeol contracena com a também roteirista de “Quente de Dia, Frio à Noite “, Won Hyangra, nesta pequena e peculiar comédia sobre a precarização da vida e do trabalho na sociedade ultracapitalista de nossos tempos.
Direção: Songyeol Park
Título Original: 낮에는 덥고 밤에는 춥고 | Najeneun Deopgo Bameneun Chupgo (2021)
Duração: 1h 30min
Gênero: Comédia | Drama
País: Coréia do Sul

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Planejando Derrotas

Há alguns dias, durante uma aula, uma mulher por volta de setenta anos, professora aposentada, sentenciou: a geração que entrou agora no mercado de trabalho nunca terá a oportunidade de financiar 100% de uma casa própria, algo comum na minha época. Sabe-se lá quantos deles conseguirão ter esse patrimônio em algum momento da vida. Ali ela tocava na ponta do iceberg de um dos problemas da contemporaneidade: a habitação. Algo que a produção da Coréia do Sul, “Quente de Dia, Frio à Noite“, exibida no mostra Outros Olhares do 11º Olhar de Cinema de Curitiba, usa como um dos fatos geradores de sua narrativa.

Os reflexos da precarização do trabalho na moradia já começam a aparecer nos grandes centros urbanos. O conceito de imprevisibilidade de receita já é o padrão na economia doméstica da maioria dos jovens. O mistério permanece se pensarmos quando essas pessoas, entre 20 e 40 anos, se aproximarem da terceira idade e o corpo começar a cobrar os anos de estresse excessivo. O filme, então, nos apresenta Jeong-hee (Songyeol Park), um professor de crianças que complementa renda como entregador (e isso em um país que, aparentemente, valoriza muito mais a educação e os educadores do que o Brasil).

Junto com a notícia do aumento do aluguel, a informação de que sua moto precisará de conserto após uma queda. Perde-se uma fonte de renda. Por não falar mandarim, há uma limitação de outros serviços que ele possa acumular. Idiomas, carteira de habilitação, saber andar de bicicleta. Aos poucos nos tornamos personagens que precisam reunir skills para ser explorado de forma diversa. Em “Quente de Dia, Frio à Noite“, Jeong-hee mora com a companheira Jeong-hee (Hyangra Won), outra jovem que não consegue sair da lógica de viver um dia de cada vez.

Aos poucos a comédia situacional vai ampliando seu leque para as mais diversas frustrações da pós-modernidade. O espelhamento de sua realidade nos antigos amigos quando se retoma o contato é um deles. Os arroubos de empreendedorismo que nos carrega para esquemas de pirâmides que podem tornar ainda mais difícil nossa rotina é outro. O encontro constrangido com familiares em aniversários e datas comemorativas que não serão acompanhadas de presente porque o mercado se organizou para prover à massa trabalhadora dinheiro suficiente apenas para os itens básicos de sobrevivência.

A Era da Informação tem duas faces de crueldade. A primeira é que a substituição do empregado pela máquina diminuiu a quantidade de funções desempenhada por nós. Por consequência, o desemprego tecnológico em alto grau é uma realidade difícil de ser superada nas próximas décadas. Afinal de contas, em um lugar em que trabalhavam vinte, a virtualização dos procedimentos permite que quatro ou cinco deem conta. Os remanescentes precisam ampliar sua produtividade e os mais novos barganham seus primeiros salários, criando uma roda viva precarizante. A outra face é aquela que determina a nós o que devemos consumir. Para além do básico, tudo o que foge da lógica moradia-habitação tem a promessa de contribuir para nosso “crescimento pessoal e profissional”. Não há margem para liberdade nem no que é supérfluo.

Mais perto do fim, “Quente de Dia, Frio à Noite” toca na ferida da projeção da felicidade. Esta quase sempre representada pelos feeds e stories do Instagram. Aqui não é diferente. No fim, parece que a direção de Songyeol Park é providencial ao propor que paremos de acompanhar aquele casal no exato momento em que eles começam a projetar a realidade do outro. Ao nos conectarmos no tempo e espaço com o casal de protagonistas, é possível se divertir com o bom-humor do roteiro de Hyangra Won no caminho rumo ao endividamento inevitável deste núcleo familiar que parece, assim como boa parte de nós, abandonar a ideia de que devemos continuar nos reproduzindo. Parecemos não sair de uma vida de constantes pausas, de recomeços, de reinvenções.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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