Radioactive

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Sinopse: Movida por uma mente brilhante e uma grande paixão, Marie Curie embarca em uma jornada científica com o marido, Pierre. Suas descobertas vão mudar o mundo.
Direção: Marjane Satrapi
Título Original: Radioactive (2019)
Gênero: Biografia | Drama | Romance
Duração: 1h 49min
País: Reino Unido | França | EUA | China | Hungria

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Um Pouco Menos Intransigente

No melhor estilo “se você não vai, eu vou”, a Netflix colocou esta semana em seu catálogo “Radioactive“, longa-metragem sobre a vida de Marie Curie, produzido e distribuído originalmente pela Amazon. A decisão pela aquisição dos direitos soa acertada para a plataforma de streaming mais popular do mundo. Uma obra com o típico apelo de uma cinebiografia, adicionando a figura de Rosamund Pike, no auge da carreira – e que lançou há poucas semanas no mesmo serviço o bom “Eu me Importo” (2021).

Um filme que naturalmente atrai grande interesse. Um dos argumentos é que estamos diante da primeira direção de Marjane Satrapi, talento por trás de “Persépolis” (2007) há mais de seis anos. Esse é o maior projeto o qual ela participou e é possível identificar elementos autorais, principalmente pelas representações e viagens pelo imaginário da protagonista. Por ser cercado de expectativas, há uma tendência de decepcionar boa parte do público, que encontrará uma narrativa tradicional em boa parte do tempo, com pequenas quebras que nos levarão a outros espaços.

A sensação de que teremos mais insatisfações do que empolgação junto ao público fica por conta da lembrança dos ataques da crítica a “Stardust“, longa-metragem sobre David Bowie que assistimos na última Mostra SP e que também ousa uma releitura que foge do padrão – mas em pequenas centelhas, dando a impressão mais de falta de personalidade do que de exercício de criatividade. Tanto lá quanto aqui houve envolvimento de nossa parte e a proposta funcionou. Mas, nos convencemos de que não dará certo para a maioria.

Parte dessa fuga do óbvio pode ser creditada à cineasta. Mesmo assim, vale lembrar que a física e química polonesa radicada na França já foi objeto de produções cinematográficas em outros tempos. Em uma espécie de “Era de Ouro das Biografias”, Mervyn LeRoy dirigiu em 1943 uma versão hollywoodiana indicada a sete Oscars, incluindo melhor filme. Com roteiro de Ève Curie, filha de Marie, lembro que assisti ainda jovem pelo TCM o ótimo trabalho da atriz Greer Garson, me levando a buscar outras cinebiografias da época, como “A História de Louis Pasteur” (1936) e “A Vida de Emile Zola” (1937), ambas com uma dobradinha William Dieterle na direção e Paul Muni como protagonista.

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Portanto, fazer de “Radioactive” uma nova representação linear da trajetória de Curie pouco acrescentaria. Satrapi, então, adapta a graphic novel da pesquisadora, artista e escritora Lauren Redniss, uma transposição que a diretora domina. Deixa nas mãos do experiente Jack Thorne (um dos creditados por “Extraordinário”, de 2017) o roteiro. Contribui com o que o audiovisual trouxe de adaptação de linguagem, principalmente em um design de produção mais detalhista, desenvolvido fielmente para nos transportar a um laboratório e à Paris do final do século XIX.

Usando como grande mote da trama a intransigência de Marie Skłodowska-Curie (ou Maria Salomea Skłodowska), o filme não se preocupa em entregar o que há nele de liberdade poética. Boa parte dos diálogos envolvendo Rosamund Pike e Sam Riley (no papel de Pierre Curie, marido e parceiro de pesquisas) aplicam uma lógica, uma dinâmica na interação daquelas personalidades para atualizar os seus discursos. Quem se apegar na possibilidade de tudo ser verdadeiro, exigir verossimilhança, sairá desapontado. O realismo da imagem se contrapõe à fantasia das palavras.

Essa proposta se reflete em uma trilha sonora e uma montagem que usam elementos de suspense quando os avanços dos estudos de Marie começam a surtir efeito. O som que parece ser de um teremin (criado em 1928 e que funciona a partir de osciladores de rádio) é presença marcante. Em “Radioactive”, ao mesmo tempo em que o espectador é provocado a dividir com a protagonista o medo do desconhecido, quebras de narrativa nos levam a outras épocas – no futuro próximo em que os elementos isolados por ela ganharam utilidade prática. Nessa revisitação do legado de Curie, seu sonho de mudar o mundo de dentro do laboratório, de fato, ocorreu. E – como ela receava – na maioria das vezes com o mau uso.

A ciência leva a esses caminhos. Um embate ético sobre as consequências de suas descobertas e criações paira pela cabeça de todos, ainda mais de gênios como Marie Curie. Em paralelo, o filme aposta em uma aproximação com questões atuais sobre o apagamento de feitos de mulheres em diversas áreas. A tentativa de não dar os créditos devidos à biografada aconteceram com força ainda no auge de sua carreira, como no primeiro Nobel, por exemplo.

Quando parecia que tudo já havia sido contado, o terço final de “Radioactive” é ainda mais desapegado das amarras biográficas. Não o suficiente para não chamarmos de tradicional, mas bem mais interessante do que carregar consigo a obviedade de escolher entre a morte ou a glória máxima como seu clímax. Uma obra que corre o risco de ser mal recebida pela ausência de clareza, mas que se nega a ser mera reprodutora de uma linguagem cansada. Resta saber quantos comprarão essa briga.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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