Sinopse: Revolução Lavanderia nos leva a Tóquio, onde o jovem Tomo, perseguido pelo azar, decide acabar com sua existência. Junto com Hiroko, que é obcecada pela velha página de recados de um estranho. Eles concordam em participar de todos os encontros que surgirem, planejando decifrar as partes do todo e superar essa piada antes que ela ocorra. Sua viagem através de sinais, sons e situações os mergulha em outro lado da cidade – um labirinto de subculturas e atrasos surreais no ar. Ao desencadear eventos muito além de sua imaginação, Tomo acaba encontrando suas respostas no fundo de algo totalmente bizarro. Um estranho conto sobre estar no mundo, a vontade individual e a decifração de sinais.
Direção: Marc Chua e Lam Li Shuen
Título Original: 信念のメリーゴーランド (2019)
Gênero: Drama Experimental
Duração: 1h 11min
País: Singapura
Buda, o Antropólogo
A arte e seu poder de transformar é a alegoria mais facilmente identificada em “Revolução Lavanderia“, filme dos diretores Marc Chua e Lam Li Shuen, representante de Singapura no Festival Ecrã. Por trás de uma narrativa simples, explorada em seus minutos iniciais, a obra se propõe a ser um passeio por manifestações culturais dos mais diversos tipos e nossa relação com elas, sendo consumidores, co-produtores ou qualquer forma nesse caminho. A ideia é simples: um casal de irmãos decide usar o dinheiro da herança – que pelos seus cálculos duraria um ano e meio – em uma jornada em que não negariam oportunidades de experiência.
Essa relação com a perda, um luto sumariamente afastado – como se pudesse ser adiado – faz esta produção dialogar com outra da mesma mostra, “A Casa de Plástico“. Só que há uma enorme diferença nas representações territoriais. Enquanto que o australiano confina, traz a relação de uma nova órfã na estufa onde se debruça no trabalho em estado de negação, aqui a ocupação da cidade é uma ferramente fundamental para que os planos dos protagonistas sejam colocados em prática.
A primeira relação com a arte que chega em “Revolução Lavanderia” é dos ensaios para uma peça. Aos poucos todas as representações e a forma como os atores agem, vão fazendo este viver ensaiado tomar conta. Atitudes sempre pensadas, demarcadas, bem condizentes com a forma como eles entendem que devem agir dali por diante. O experimentalismo inicial da obra é através do uso do corpo e, uma vez iniciado, atrai ao filme debates sobre o fazer cultural. Os cineastas permeiam esses ensaios e deslocamentos atuados pela zona urbana com depoimentos de artistas e produtores que verbalizam seus entendimentos sobre arte.
Com isso, o filme se torna uma colagem desses entendimentos, com uma apresentação de um saxofonista, uma gag com um diretor de cinema ansiosamente desiludido, artistas de rua, roqueiros de garagem, dentre outros. Os protagonistas passam a transitar na obra como uma espécie de mestres de cerimônia, interagindo com arte apenas quando e na medida que entendem necessários. Isso cria uma conexão conosco sobre nossa própria relação com a cultura em geral e também com “Revolução Lavanderia” enquanto produto. Um grande exemplo está na sequência de um videokê, que nada mais é do que uma forma de lazer em que nos colocamos como artistas, fazemos uma projeção de sucesso – mesmo quando fracassamos (aliás, em um videokê quanto pior cantamos, mais divertimos).
É como se eles pudessem potencializar sua existência, mesmo que tenham optado por um vazio de decisões. A fluidez total.
É nesse ponto que o filme se permite uma contextualização, reforçando que estamos diante de uma releitura do pensamento do filósofo Kitaro Nishida, pioneiro nessa ciência no Japão. No início do século XX ele propôs a chamada Antropologia da Experiência, unindo a Filosofia importada do Ocidente com o tradicionalismo de seu país. Sua ideia era unir o melhor das ideologias zen-budistas com as ciências sociais, algo parecido com o que – na questão da religião – Meishu-Shama ansiava quando desenvolveu seus ensinamentos e fundou a Igreja Messiânica no mesmo país. Nishida foi um estudioso que gostava de aplicar suas teses em sua da análise da totalidade, ao invés de segmentações. Interessante que esta corrente vem sendo aplicada nos últimos anos na crítica ao audiovisual brasileira, que – finalmente – rompeu com as análises de manual de outrora. A arte vista sob esse viés integralizador é fundamental para que olhares ricos se formem.
Nishida entendia o vazio como algo que possibilita a ocorrência de tudo (ou qualquer coisa). Justamente essa a maneira de exploração dos personagens que conduzem a narrativa de “Revolução Lavanderia”. Portanto, quanto mais nos esvaziamos (incluindo ideias pré-concebidas), mais chande de nos preenchermos de experiência. Transportar essa premissa para uma obra audiovisual experimental é um desafio até para algumas pessoas que já se esvaziaram desses preconceitos. O objeto direto do filme ser a cultura e as manifestações artísticas auxiliam nessa formação alegórica, nessa troca a partir da metáfora – mas entendemos que não seja o suficiente.
A segunda metade do longa-metragem aprofunda a experiência, cria representações de maneira mais frenética. Moderniza a abordagem dessa filosofia clássica com uma ferramenta de montagem muito curiosa. Insere personagens em ambientes por meio de colagens. Dentro de uma edição mais rápida, traz ao debate as possibilidades que a desnecessidade do deslocamento espacial permite – ao mesmo tempo que faz com que nossa avidez pela fruição torne a presença física indiferente. Por vezes sentimos que absorvemos mais sobre algo nos informando à distância do que quando temos a oportunidade de um contato mais direto. Isso vai para além do consumo de arte, podendo se estender a uma viagem, experiência gastronômicas e até sexuais. A inquietude cada vez mais crescente tem feito nos sentirmos constantemente dentro de uma máquina de lavar, como se estivéssemos a todo instante sendo centrifugado pelo mundo. Com algumas pausas para comer e dormir (como bem explorado por trechos dessa parte final).
“A Revolução Lavanderia” termina nos colocando no ponto da partida, materializando essa centrifugação em um diálogo do jovem protagonista com uma máquina. É como se ele (e nós) terminássemos a sessão encontrando uma das forças que nos move – e mesmo assim não conseguir, de fato, compreendê-la a ponto de emancipar a partir dessa revolução.
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